maio 26, 2011

maio 20, 2011

Contos Exemplares.

"Era dia de orquestra. A orquestra vinha duas vezes por semana de uma praia vizinha. Os músicos eram magros e novos e tinham smokings velhos, ligeiramente esverdeados pelo uso e pela humidade das invernias marítimas. Eram músicos falhados: sem grande arte, com pouco dinheiro e sem fama. Deviam ser ou resignados ou revoltados. Espero que fossem revoltados: é menos triste. Um homem revoltado, mesmo ingloriamente, nunca está completamente vencido. Mas a resignação passiva, a resignação por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhar completo e sem remédio. Mas os revoltados, mesmo aqueles a quem tudo - a luz do candeeiro e a luz da Primavera - dói como uma faca, aqueles que se cortam no ar e nos seus próprios gestos, são a honra da condição humana. Eles são aqueles que não aceitaram a imperfeição. E por isso a sua alma é como um grande deserto sem sombra e sem frescura onde o fogo arde sem se consumir. (...)"
Sophia  de Mello Breyner Andresen.

maio 07, 2011

O meu Avô.

As pessoas não se adiam, sei-o hoje a partir do lugar onde ficaste, lá ao fundo, a nossa morada de anos. Hoje sou só eu que me sento ali para te ver em tudo em meu redor, à procura de um resgate tranquilo. Ficar parado, preso entre uma promessa que nos insuflou a vida de sentido e o momento que testemunha uma ausência, pode bem ser o que o amor desenha, cara abaixo, na solidão de um estuário melancólico, de cada vez que a saudade rebenta as linhas do chão, aí vou eu, até ti. Sei do absurdo, bem perto daqui, as árvores dançam, a brisa canta o final do dia. Os lugares são-nos roubados ou nunca foram verdadeiramente nossos, homens, coisas, lá no fundo, lá ao fundo. Tu e os espaços em branco, projecta-se uma massa invisível entre a boca da minha garganta e o mundo que se pode sempre adiar quando o que conta é saber a morada de perto, de cor. Como uma casa de janelas abertas, sem medo, sem cortes. Lá fora, cá dentro, lá e aqui, ontem ou hoje. Sinto a tua falta em cada passo da estrada como se o caminho se perdesse entre as pedras do chão, sei desse absurdo da perda que nos engole por dentro, quietos por fora, em redor de uma ideia ligada ao coração. As pessoas acabam retalhadas, emendadas como uma velha manta de trapos, sobrepostas as feridas e os lugares, os ausentes com os de um amor ainda quente, físico, seguro, aqui tão perto que o dia nunca acaba, a luz vem de dentro das coisas, permanente. Acredito nesse compromisso em que o corpo não cabe em si, procurando no outro a vida que o anima mais e mais. Nós somos aqueles que amamos, aí vou eu até ti e tenho medo que a tua voz demore mais a chegar, ou que eu te perca, entre as pedras do caminho, espaços que não se querem em branco. É sempre aqui que estou, sem ter partido, sem te abandonar ao final do dia, sempre nosso. Enquanto doer e este lugar incendiar a memória, tu estarás vivo em tudo o que continuou, em meu redor, resgatado de mais uma noite, de mais uma despedida. E eu também.

maio 01, 2011

[Mãe, cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome.]*

mãe, cada palavra que me ensinaste repete mil vezes o teu nome.
*José Luís Peixoto.