janeiro 30, 2009

Se, num instante


Os sonhos são os factos virados do avesso pela teimosia em sermos coisa diferente da que nos prende aqui. Com a idade, vamos perdendo esse espaço de liberdade, imenso aos olhos da juventude. O que fica no espartilho da finitude é um eco de um tempo sem tempo como se a verdade fosse feita de uma leveza fresca. Durante quanto tempo poderás dizer: "Esta é a vida em que eu sou inteiro" ou "Estes dias estão cosidos por dentro, com as linhas da minha vontade." (?) Sempre é um instante na brisa. Que passa.

janeiro 26, 2009

Citações em mim

"Para atravessar contigo o deserto do mundo"
Bárbara,
A ti que sabes ser inteira para mim agradeço profundamente essa oportunidade, essa janela que rasga o céu e faz as coisas melhores desabarem nos meus dias cinzentos. Obrigado por dares as cores que os meus olhos não tocam, fechados pela mão da desilusão. Hoje e sempre sei que virás ter comigo com a mesma brancura, com a mesma atenção silenciosa, com o mesmo calor que parte a dor ao meio, depois das lágrimas que caem na cumplicidade de um abraço eterno. Contigo aprendi que a verdade é uma coisa que trazemos dentro de nós, secreta, que nos mantém vivos, verticais perante o vento forte desta vida que nos abana no caminho de casa.
Foi contigo que aprendi a humildade e, vendo-te caminhar, soube que a vida é luta, é força, é afirmação quando o cansaço se apodera das possibilidades. Sobretudo aí, onde a tua calma e a tua gentil espera me suscitavam admiração e me faziam adorar-te - o negro caía por terra, sem te contaminar. O teu sorriso, as tuas palavras, os teus erros apareceram-me sempre com aquela luz do que é puro e nos amacia as linhas do destino. Sei hoje que vivo também por te ter, manténs a minha alma acesa pelo amor que me entregaste no primeiro dia de mim. Sou sempre teu porque me ajudaste a descobrir coisas que afinal são obra do teu toque no meu coração, isso acontece todos os dias.
Vieste quando precisava, sem eu pedir. O meu esqueleto, o que sou sem fingir, nunca te afastou porque a beleza dos que amas brilha no teu carinho, a amizade verdadeira é inviolável e a sua estética, confundo-a contigo. Nunca me desiludiste, nunca me magoaste, nunca me mostraste outra coisa que não uma grandeza maior do que o teu tempo, do que as palavras que tento usar. Os meus dias foram os teus dias e Deus só o é, tão grande, porque tu o puxaste até mim com o melhor de ti. É isso, ensinaste-me a acreditar de uma forma tão firme que só sinto paz quando o teu cheiro me faz adormecer a mágoa, o sofrimento.
Não há conceitos que nos aprisionem, o pudor fica à porta da nossa morada e essa inteireza é o maior presente que podia ter, tudo se faz partilha quando despimos as convenções e os espartilhos do medo. O que somos é consanguinidade, nasce da mesma fonte e torna-se espelho de união. Crescemos juntos em tempo mas sobretudo em tamanho, o orgulho que tenho por ti é um antídoto contra a desistência e a vida parece menos uma obra do acaso. Ao querer ter-te, ao escolher-te como companheira de viagem, sou eu mais que nunca, é a minha vida que te confio. És o ar que faz a alma mais leve do que as vicissitudes. Obrigado.
Hoje foi mais um dia, mais uma oportunidade, há um mundo novo sempre em cada acordar. E amanhã vai ser o dia em que os teus sonhos vão ter contigo e te vão acordar, segredando-te que valeu a pena persistir. Não duvido que a vida é redonda e que, no avesso do tempo, o que pedimos todos os natais da alma vem completar a metade que faz as perguntas. Foste tu que me dobraste o cepticismo ao meio e estampaste na minha face o que sou. Não tenho dúvidas contigo. Falamos tanto e de tantas coisas mas sempre sem preguiça, sem pressa. Ensinaste-me que o segredo para as coisas durarem é o não se cobrar, é o não dar com asteriscos. A vida não é um contrato.
Agradeço-te do fundo do coração o teres acreditado em mim e por teres deixado que eu te tomasse para dentro da minha história, para sempre. Quando ouço esta promessa choro de alegria e os problemas são o parente pobre da minha escrita. Tantas páginas por preencher, não seriam umas linhas a roubar o sentido do que é um testemunho de amor, o maior dos bálsamos contra o peso sobre o coração.
Obrigado.

janeiro 24, 2009

Não confundir


- Como é que entendes o hífen?

- Como algo que separa, torna tudo mais simples, pela divisão. Sim, simplificação, evita-se que o composto se forme e que os extremos se unam. "auto-suficiência, auto-retrato"

- Eu não penso assim, nunca. Para mim, ele está lá para coser as partes. O pior de ti já está encerrado aí dentro, na pele da tua humanidade individual. "autodestruição, automedicação" Não (te) queres mais?

A morada da sorte


"I’ll follow you tonight
The worst mistake to make
Or just the kind of promise you simply have to break
So please turn out the lights
And I’ll follow you to any doorstep, any hallway
With hope of finding more"
"I'll follow you tonight", Anna Ternheim

"The best days are not planned by common sense
By lack of time
You just happen to be where everything feels fine"
"My Secret", Anna Ternheim

Ad infinitum


Entreguei parte de mim nessa separação inevitável que acontece na esquina dos dias felizes. Depois de esmagar a face tranquila do mundo com a minha dor comecei a homenagear-te de outro modo - acreditei que, contra a evidência que escorria dos meus olhos, estavas melhor do que aqui. Rezava como um louco, as palavras em catadupa, o suor a banhar a minha face escura, as mãos apertadas de medo, os olhos fechados para te ver melhor, os joelhos prostrados no chão que te engoliu. Queria que as minhas palavras viajassem e te trouxessem no eco de um passado demasiado curto.
Rezava porque acreditava no amor, aquele que me ensinaste a sulcar cá dentro. Agora venero-te mais ainda e não me disponho a aceitar isto que é a vibração da morte a recortar a nossa história em padaços iguais a nada. Estavas tão bem a caminhar no meu céu e eu acreditava que não querias outro. Por favor, volta, não confies nisso. Nunca pensei falar sozinho em nome da tua memória e nunca imaginei um tempo apesar de ti. Na minha vida só havia lugar à coordenação porque as adversidades eram brinquedos que atiçavam o lume da descoberta. Digo o teu nome tantas vezes, enlouqueço-me de propósito para obter resposta.
Venho aqui pelo silêncio, o mundo é demasiado sólido, sinto-me mais próximo de ti nessa ausência de olhos-exame, danço com as sombras que as velas murmuram. Vejo um pouco de ti nesse acenar trémulo e sou outra vez teu. No templo vazio encontro-te escondida dentro do meu peito que entrego, à procura. Não desisto de ti, sabes disso. Aprendo uma fé à pressa para não me esquecer do Amor, é ele a origem de todos os sentidos. Abro a janela da minha alma ao incógnito, sem medo, levaste contigo o arrepio que redobra a atenção. Talvez rezar seja a tua música pelas minhas palavras, talvez. Sei que o faço com muita força para que me ouças e te lembres de mim, tão pequeno perante o altar onde te adivinho. A olhar para trás.
Entro aqui sempre de manhã, logo que a minha dor condena o dia a uma repetição penosa do desejar-se a saudade convertida. Não consegui, nas primeiras visitas, apaziguar-me e voltar a viver. O passado está muito latente, eu sinto-o no peito. Quando rezo sinto, porém, que a tua memória me ensina a falar de uma outra forma, as sílabas e os acentos carregados de aprendizagem e então rezamos os dois, um pelo outro. Amar com humildade e sem perguntas que aumentem a distância. É o que resta da nossa história. Mas sabes, aprendi a colar-nos na vastidão do silêncio e o eco de ti veio dessa fé, nascida dos joelhos marcados da minha paixão. Vivo agora no presente graças à conversa que brotou de uma raiva de aprendiz a quem estragam os planos. Desisti da turbulência que te riscava a face e abri-me ao desconhecido, o meu amor fez-se diferente para permanecer.
Hoje entro para adormecer um pouco a dor destrutiva e fazê-la contemplação tranquila de uma curta-metragem que valeu a pena. Tudo está na intensidade das coisas, na verdade que as sustenta. Rezo contigo e sei que não partiste, apenas te escondeste dentro de mim onde continuas a ensinar-me. Fazes-me acreditar naquilo que digo, as tuas mãos a segurar as minhas e abro os olhos, pela primeira vez. Não vejo a luz das velas, não as vejo sequer. Olho em frente onde sempre disseste estar tudo, de uma outra forma. E vejo. Sinto com os olhos a viragem numa voz interior que me reconcilia com a vida e comigo mesmo. É Amor, sem vaidade. Nunca me despedi de ti porque não abdiquei, não me alimentei da destruição que o sofrimento propicia.
Fui maior do que os factos, fui maior do que eu, antes disto. No meu adeus conflituoso aprendi a desatar os nós e a reciclar o ódio. E aqui estou, neste lugar, a contar uma história de amor. Transformei o meu adeus num agradecimento, a-Deus, por saber afinal cantar o teu nome, rezando.

janeiro 23, 2009

1468 - On Looking Up By Chance At The Constellations

You'll wait a long, long time for anything much
To happen in heaven beyond the floats of cloud
And the Northern Lights that run like tingling nerves.
The sun and moon get crossed, but they never touch,
Nor strike out fire from each other nor crash out loud.
The planets seem to interfere in their curves
But nothing ever happens, no harm is done.
We may as well go patiently on with our life,
And look elsewhere than to stars and moon and sun
For the shocks and changes we need to keep us sane.
It is true the longest drouth will end in rain,
The longest peace in China will end in strife.
Still it wouldn't reward the watcher to stay awake
In hopes of seeing the calm of heaven break
On his particular time and personal sight.
That calm seems certainly safe to last to-night.
Robert Frost

Intro_Itinerarium_?

"Essa mulher sentada jamais pode conhecer
quem envelhece ao fim do corredor dos dias
e acaba de passar"
Ruy Belo
Ainda sinto a tua voz a tocar-me gentilmente, visito-te com regularidade quando estou sozinho no meio da multidão. E é bom esta conversa que me aquece os sentidos e me faz aguentar os rituais. São estas pequenas coisas que fazem com que cada um dos dias seja o primeiro, que as amarras do tédio não me levem. "Próxima paragem..." Onde ficaste tu? Sinto a tua falta sentar-se ao meu lado e abraçar-me e fujo de reparar que as ausências são mais densas do que a carne e os ossos do teu amor apertado. Estás e não estás, és um vulto enterrado na terra dos afectos. "Bilhetes e horários." Amei coisas grandes demais para as horas.
Vou preso ao assento da memória e rodeado de um presente amarrotado pela febre do abismo. "Só um jeitinho, por favor, saio já na próxima." Procurei-te sempre na entrada da minha vida e esqueci-me de pensar através de mim. Na saída. Onde ficaste tu, porque saíste quando eu finalmente só me via através de ti, marioneta da tua faísca efémera. Agora rasgo a rotina como um bilhete de uma viagem de que não dou conta, o significado das coisas está por dentro. Esta situação, o que é isto? "É a vida senhor, é a vida." Emudeço e embalo-me com a dança da chuva lá fora, um céu cinzento escuro ameaça ruir. Eu não queria um passe intermodal, só te queria a ti. Monomodalmente.
Hoje isto está especialmente demorado, a lembrança de ti passeia em tudo, brinca comigo contra uma parede vazia. Eu desenho-te lá com as palavras com que te rezo porque não sei onde estás, onde ficaste. É a música dos teus lábios contra o cansaço dos hábitos. Volume máximo durante estes minutos. Estás ao meu lado. "Fiscalização dos títulos de transporte." Por pouco tempo. Hoje é sexta-feira e espero-te à entrada do fim do(s) dia(s) como quem se contenta com uma parte do que poderia ter sido, sem trânsito.
Alterações de percurso.
Siga um esquema alternativo.
Tempo previsto: "Sente-se aqui, por favor, já tem idade para esperar sentado."

janeiro 22, 2009

Verdades Nuas

"Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in,
Raise a tent of shelter now..."
"Será isto envelhecer? Perceber que a vida, retirada toda a gordura das pequenas insignificâncias inconsequentes, será esta dança entre as duas palavras (Amor e Morte), a agarrarmo-nos com um feliz desespero a uma para tentarmos (ingénuos) fugir à outra. (...) A morte só não pode fazer mal a quem o amor não apareceu, ou a quem o amor apareceu disfarçado de outra coisa, e arranhou e magoou. O que te chateia na morte é uma coisa simples: saudades de amar e ser amado. (...) Amor e morte, sempre, porque não há mistério que se lhe compare."
Rodrigo Guedes de Carvalho

janeiro 19, 2009

Sempre, nada menos


Sei hoje que ninguém antes de ti
morreu profundamente para mim
Aos outros foi possível ocultá-los
na sua irredutível posição horizontal
sob a capa da terra maternal
Choramo-los imóveis e voltamos
à nossa irrequieta condição de vivos
Arrumamos os mortos e ungimo-los
são uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos nas gravatas
com flores e nas datas num horário
que apenas os mate o estritamente necessário
Mas decerto de acordo com um prévio plano
tu não só me mataste como destruíste
as ruas os lugares onde cruzámos
os nossos olhos feitos para ver
não tanto as coisas como o nosso próprio ser
A cidade é a mesma e no entanto
há portas que não posso atravessar
sítios que me seria doloroso outra vez visitar
onde mais viva que antes tenho medo de encontrar-te
Morreste mais que todos os meus mortos
pois esses arrumei-os festejei-os
enquanto a ti preciso de matar-te
dentro do coração continuamente
pois prossegues de pé sobre este solo

onde um por um persigo os meus fantasmas
e tu és o maior de todos eles
Não suporto que nada haja mudado
que nem sequer o mais elementar dos rituais
pelo menos marcasse em tua vida o antes e o depois
forma rudimentar de morte e afinal morte
que por não teres morrido muito mais tenhas morrido
Se todos os demais morreram de uma morte de que vivo
tu matas-me não só rua por rua
nalguma qualquer esquina a qualquer hora
como coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são
Ninguém morreu assim como morreste
pois se houvesses morrido tudo estava resolvido
Os outros estão mortos porque o estão
só tu morreste tanto que não tens ressurreição
pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
onde antes te encontrava e te posso encontrar
e ver-te vir como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais
"Em legítima defesa", Ruy Belo


*Aos que ficam cá dentro e nunca vão totalmente,
aqueles que a mim fizeram e fazem o mesmo.

janeiro 18, 2009

Um vs. Um por dois


Olho-te ao espelho da minha solidão. Ficas maior depois de partires a imagem do dia-a-dia porque os pormenores tornam tudo do tamanho da verdade. Estavas no silêncio dos gestos indecifrados, nas palavras mudas que as lágrimas desenhavam na face da tua raiva, no teu corpo abandonado à minha noite sem braços. Tentavas fazer-te notar pelas coisas que eu não via mas que tu pintavas sobre os meus olhos distraídos com um amor feito faca de sentidos perdidos. Eu via-te com um utilitarismo de quem desaprendeu a usar a magia da pontuação, o clique dos adjectivos densos ou a nomear com o dicionário dos amantes jovens. Mas tu não estavas onde a tua imagem ficou.
Estavas inteira à espera do homem que eu já não sei fazer falar. Amas com dor os fragmentos da minha promessa, a consciência a regar com lume a água dos teus olhos. És um incêndio invisível, um remoinho quieto por fora, um grito censurado pela agitação mundana. Dormes a meu lado enquanto viajas pelos caminhos sinuosos da noite escura, as costas do mundo. Vendi-me por um preço imerecido e encantaste-te com a minha especulação, gostavas de acreditar que as pessoas, com amor, fazem dos imóveis a morada das histórias verdadeiras. Mas eu não sabia sentir, não sabia ver o mundo do teu ângulo ambicioso. A geometria dos meus sonhos era rasa e quis prender-me à beleza de uma antítese humana.
Vives uma solidão acompanhada, aquela que nunca te permite regular a respiração, há um espectro que impacienta a esperança na ponta dos dedos. Tentas chegar até mim, mesmo sabendo que entre mim e ti, há todo um mundo maior do que a vida. Mas amas. Acreditas que o impossível é a preguiça dos descrentes e rejeita-la com fúria cega. Que já não é amor ou talvez seja só um amor possível que arrepia pela fragilidade. Nas tuas palavras nunca ouvi, lá dentro, o pedido que me fazias, nódoas negras na superfície da tua vida. Socorro, dizias tu, braços ao alto quando choravas pela noite dentro, a chuva abafava a rouquidão da tua espera.
Não tinha noção que, ficando preso a uma ideia, haveria depois muito trabalho para a tornar numa narrativa em jeito de biografia a duas vozes. Desculpa se só tenho jeito para crónicas onde o meu absurdo ganha contornos solitários, não sei encontrar-me na entrega dos outros. A tua voz, na margem da folha. Usa as minhas palavras, pedias tu, tantas vezes. Mímica transparente. Eu, cheio de nada, e tu a rebentar com o peso de dois, antítese interior. Imperceptível aos olhos distraídos. Duas solidões como duas linhas paralelas perpétuas. Duas presenças à espera de uma realidade embrulhada de possibilidades. Tu não estavas onde a tua imagem ficou e eu vivia com a subtracção de uma alma, com o corpo vazio de um espírito dentro do meu abraço sonhado.
Hoje é o dia em que eu tropecei em mim mesmo, a dormência das minhas pernas fez-me perceber que do chão não passo. O chão duro da consciência perdida na entrega estúpida a este mundo. E, ao cair, numa fracção de segundo senti-me escorregar por entre fotografias de sonhos, por caminhos e gestos por tentar, e abri os braços em direcção à tua imagem, lá no fundo.

"Fiz das costas do mundo os meus olhos e dos meus olhos as costas do coração. Caíste na armadilha que construíste, na face da tua promessa, embarcação de um mar estagnado. O porto da ilusão não é a morada dos amores possíveis."

Whole new you


Ontem passei pela lembrança de nós na esquina da minha saudade e doeu sentir as arestas daquilo que não se repete mais. Vou-te buscar às páginas que o tempo arrancou à minha história e elas não são mais o que foram, só se vive cada coisa de uma forma original. O primeiro olhar, o cheiro do apego que nasce do escuro da solidão - tudo isso acontece sem um guião, sem a certeza de que vai durar ou florescer. É um risco. O que fica depois da desilusão, quando olhamos para trás? Perplexidade misturada com desencanto? Hoje acredito que existe uma saudade menor, aquela onde caem em vão os planos que fizemos para os outros. A outra, a saudade do tamanho da imaginação do coração, é o sonho inicial onde não cabe a razão. Na febre do começo colocamos o significado dos actos antes de ver, queremos acreditar na possibilidade do encontro. Mas ele não existe sempre que o peito bate mais forte, os enganos nascem de não se pensar na espera da verdade mas em fazer dela o ponto de partida. Não é assim, não poderia ser. Mas fica qualquer coisa desse dia primeiro que a água dos factos cobre mas não esconde. E olho para trás quando penso em ti sabendo que o que lá está não é o que via, mas olho. Na vida arragamo-nos inexplicavelmente ao contrário do que dizemos. Fazemos coisas que a voz do pensamento censura, talvez pense em ti com a razão de ser, o coração. Mas enganei-me e sei disso. Não és já tu que embalo na evocação de tudo e custa mas é a verdade. Não há guiões para o acreditar mas há a experiência a colocar as coisas num sítio mais seguro, onde vale a pena continuar a apostar. Não podemos ganhar sempre. Coisas boas, pelo menos.

janeiro 11, 2009

Bem-querer-te


Há uma voz perpétua que rasga a saudade ao meio e eu soube disso quando a vida me disse que não virias mais, todos os dias. Soube mas não queria só isso e portanto fechei-me todo por dentro para que mais nada pudesse fugir. E fiz de ti o meu deus, assombração de amor sombrio, rio de emoções orfãs. E sentei-me na face do mundo, à espera, ensaiando um futuro onde coubesses toda com as explicações que foste buscar ao outro lado de ti. "Será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência."
Sinto a tua falta no peito esmagado com as tuas mãos, aquelas que me acorrentaram à promessa de permanecer. E eu acreditei na tua voz que amaciou a finitude de tudo e bebi a tua lição até levitar sobre a escuridão. Enquanto me acompanhaste juro que tive medo, os afectos como que uma pedra na tua grandeza sem lugar, uma súplica silenciosa para que o amanhã nunca viesse calar a minha devoção. À tua voz. Senti, quando passaste por mim, a minha vida sugada toda para dentro da tua revelação e o coração rebentar de não dormir. Eras a banda sonora da minha descoberta, a melodia da minha eterna juventude, seiva sem idade. E eu acreditei que o êxtase não é um refrão de quatro linhas, lá longe. "A tua presença acorda a plenitude."
Comecei a ouvir vozes, outras que não a tua, e tive pena de não saber ser como tu, eterna viajante de ti mesma, longe do ruído das palavras despidas de boca. Fechei-me dentro de mim e pus-me à escuta com o coração, escaparate do que ficou. Guardei-te com muita força cá dentro, coleccionei-te como o segredo para algo maior. Não tinha percebido ainda nada e agora fiquei com a fórmula e sem a vontade de aprender. Através da tua voz. Conhecer-te foi inquirir de mim através do amor encantado com que te escrevia na minha alma. Não te queria nómada dentro da minha vida porque não sabia amar-te sem medo, a perda a puxar tudo para a frente. "Há muitas coisas que não quero ver."
Naqueles instantes pedi ao mundo espaço e silêncio para te ouvir toda a mexer cá dentro e posso dizer-te que cresci de mais para me aguentar sem ti. Viver em verdade exige muito e preciso descansar-me na tua força. Na tua voz. Depois de ti não sei ser com mais ninguém porque és irrepetível e eu não tenho tempo para te saber toda, não podias ter acreditado em mim. Na minha voz. Agora chamo por ti, sem parar, e sinto-me esgotado de desassossego, a submergir num isolamento só de mim. E agora, as vozes são ecos feitos repercurssão do fim.
Não podias ter acreditado. Nem eu. "Suportar é o tempo mais comprido."

*A negrito, versos de Sophia.

janeiro 09, 2009

A long distance

I need all the friends I can get
I can see that you are leading her on
I think I know what you are
I can see that you are leading her on
I know what you are
You can't see that you're just the same as all the stupid people who you hate
I'm not saying I'm free from blame because I need all the friends I can get
I can get
I can get
A long distance call to a mystery blond it wasn't good for business
But you say that she cried when she heard the bird's song
You want to soothe her distress
You can't see that she's just the same as all the stupid people who you hate
I'm not saying I'm free from blame because I need all the friends I can get
I can get
I can get
Can't you see that you are leading her on
You're feeling listless
People are tired and commitment has gone
To this I've been a witness
You can't see that I'm just the same as all the stupid people who you hate
I'm not saying I'm free from blame because I need all the friends I can get
I can get
I can get
"I need all the friends I can get", Camera Obscura
P.S. "Atravessou as nossas ruas entre gatos,
a chuva molhou-lhe as pobres botas cambadas.
Teve um banco de jardim, teve amigos, um deles o sol.
Sempre sem o saber procurou Deus."
Ruy Belo

janeiro 08, 2009

"A arte é apenas isto, qual é a resposta, qual é a pergunta. E a arte é apenas isto porque nós somos apenas isto."
António Lobo Antunes

Abandona-me e fica

Tento fazer da tua ausência o melhor possível. No branco espesso que fica depois de ti invento-te à medida do meu desespero, refaço-te com pedaços que a dor da saudade parte em mim. Invento-te para uma outra pessoa, aquela que eu seria contigo. Sonho ser o outro que tu farias de mim, aqui. Mas não estás e eu encravei nisto que é o vazio a preencher-se de ilusão.
Às vezes vivemos nos sonhos para suportar a vida sem essa magia que fica presa ao sonâmbulo acreditar da alma. Queria apanhar o atalho para o teu coração e ficar lá, dentro de ti. Se não mais te lembrasses do que fomos aqui não tinha mal. Estaria atado à tua indiferença, éramos um do outro, de outra forma. Continuava longe de ti mas o teu calor era a fogueira contra o arrepio das lágrimas e podia ver-te. Amar-te-ia em silêncio, contemplando a tua trajectória. Sem mim mas comigo na invisibilidade dos que amam o que perderam. Criava no teu coração o meu abrigo face ao longe da felicidade e era qualquer coisa menos física. Encontrar-te seria adormecer-me e fechar os olhos num doce-amargo, mistura de lembrança e de loucura, o gesso dos sonhos sem asas. Não me interessa que não me ames ou não me recordes, eu amo-nos pelos dois numa fixação doentia, febre maior do que eu.
Percebi que somos vários, um diferente em cada vida em que tocamos, vivemos várias histórias secretas no abraço que os sonhos dos outros proporcionam. Tu não sabes o que és para mim, aquilo que inventei para ti quando te puxava contra o meu corpo de memória. Sinto uma saudade imensa daquilo que ainda não veio porque tu não estás aqui para chamar o futuro para dentro de mim, perdi-me para a esperança. Estou dominado pelo esvaziamento da tua partida. Ainda sou teu, tu não sabes. E tu és minha, eu entreguei-me ao teu esquecimento e vivo lá. Mas tu não sabes.
Nem sempre o amor é comunicação, muitas vezes somos um estafeta de segredos num perpétuo movimento de emoções mudas, confessadas ao nosso próprio ouvido. Olha para mim, abraça o fantasma que sou para ti. Eu invento o resto.

janeiro 07, 2009

No escuro, um tiro


Vais sobreviver à decepção dos dias e dos acontecimentos. Vais fazer disso tudo experiência que potencia a tua estratégia. Vais continuar a insistir como se isso fosse revelação exacta do que és. Mostras-te muito mais na reacção do que no primeiro toque de tudo, é no depois que sabes o que não repetir e o que tentar mais uma vez. Tudo o que nos acontece ou o que fazemos acontecer é a antecâmara do amanhã, do próximo acto. Caminhar, errando, é ser apaixonado por compreender e descodificar. Até chegarmos ao substrato temos de aceitar a teimosia como o contra-valor da derrota, itinerário da nossa sobrevivência. Mais importante do que desenhar um tempo para os resultados é fazer da busca crescimento, um pretexto para nos sabermos maiores do que os números, as expectativas ou censuras sem mais.
Uma coisa é gastarmos a vida em nome dos sonhos, outra é perdê-la para o medo que mais não é do que uma morte prematura. Nós somos escolhas, em tudo. Eu faço da minha força uma tentativa, uma hipótese e agarro-me a essa obra, orgulhando-me dela, mesmo que imperfeita. Sobretudo por isso. Se soubesse que amanhã era revelação absoluta começava a correr contra o tédio e escondia-me do tempo dentro da minha pele de humano. A vertigem da descoberta na primeira pessoa, os esquissos que as tuas lágrimas e alegrias vão aperfeiçoando são a obra-prima de uma existência.
Nesta oportunidade não há melhor nem pior, há várias tentativas de felicidade. No fundo é acreditar que o jogo das probabilidades não está pré-determinado e que há espaço para todos em tudo. O erro é uma verdade a crescer, é a fragilidade a tornar-se robustez. Com cara e mãos. Com uma liberdade pessoal que não se assusta com o "incerto" ou "duvidoso".
Que os meus erros sejam tão grosseiros que a matemática das convenções não consiga desenhar uma mecânica que me afrouxe. Prefiro o meu "jogo de azar" à aridez do falso-ser.

A probabilidade é um número entre a vida e o sonho. Eu estou ali no meio.

janeiro 04, 2009

Overdose Semanal II

. Talkin' about my baby, Curtis Mayfield;
. Let you down, DMB;
. Swing on down, Donavon Frankenreiter;
. That´s Life, Frank Sinatra;
. Let´s get it on, Marvin Gaye;
. Come back, Josh Rouse;
. So long, Marianne, Leonard Cohen;
. Only You, Lisa Ekdahl;
. Luar, Marco Figueiredo;
. Autumn Leaves, Mishka Adams;
. I´ve got to see you again, Norah Jones;
. Capitão Romance, Ornatos Violeta;

Differently the same

Procuro-te numa história abstracta do meu imaginário mais íntimo, procuro-te contra uma lógica de impossibilidade, talvez te escondas na timidez angulosa do homem utilitário, mais fulano do que pessoa que também sei ser. Mas não sei. Procuro em ti uma imagem proibida de mim, tudo aquilo que fui arrumando para o quarto escuro do adiável. Tenho medo de lá voltar, tenho medo que abrir a porta seja embater de frente com a felicidade, do outro lado do vidro. Inquebrável. É estranho como acabas sendo um projecto sem autor, uma mistura grosseira de lugares comuns, de parecenças onde te perdes. Afinal somos três no mesmo espaço. O sonho de mim, a consciência dele e a imagem disso tudo. Sem identidade.
Podemos viver sem nós, em piloto automático, diluídos numa massa espessa de "igualização" até que o fim se aproxime, oficialmente. Socialmente decretado. Há muito que caminhavas longe de ti, suor de incómoda tristeza a escorrer-te da alma e rias, chorando. Vendeste-te porque julgaste que o conforto vem da pertença a uma maioria, sem ponderação. Esqueceste-te para que os outros te lembrassem, reflexo mudo de uma ausência. Andar acompanhado não é andar perseguido. Andar com alguém é seres tu e essa pessoa ao mesmo tempo, é a diferença a procurar-se maior, mais nobre. Na vida és o teu projecto, és diálogo de sonho feito marcha de combate e nesse caminho vais descobrindo outros que se procuram também. Peregrinos de acreditar, crentes da vontade, amantes da construção. Diversos e plurais.
A riqueza vem do inesperado e espontâneo, partilha silenciosa da tua verdade. Não confundas por medo os conceitos, torna-te um artesão da luz que te fará sentir vivo e inteiro. Sermos vários num mesmo espaço tem que significar pluralidade, multiplicidade e nunca anexação, intrusão. Amar alguém que está ao nosso lado é aprender a gostar desse mundo novo, dessa notícia inteira aos nossos olhos. Abraçar-te sem preguiça de te conhecer, conversar contigo e não apenas falar, pelos meus olhos, das tuas coisas. Unir a vontade de ser em mim alguma coisa à tua determinação em marcares os dias por dentro. Dois pólos distintos, duas forças revigoradas pela partilha que afugenta a solidão de nós a nós mesmos. Dentro de mim só há espaço para o meu chão e para os meus passos. Quero ter consciência de que sou uno, vontade e realização, projecto e realidade.
Vivo sem pressa em antecipar o que tem o seu tempo, lá à frente. Não desço a fasquia para tornar os meus valores o mais lato de mim, buracos de condescendência aflita. Eu sou o meu reflexo e nunca a minha sombra, emprestada aos outros. Afirmo-me porque antes de tudo sou meu. E tu entendes, eu sei. Mais importante, cuidas de mim quando tropeço nos enganos desta vida. Respeitas-me em tudo e dás-me a tua verdade, quando chegas, para ficar. Eu sei, sinto-o a vibrar no silêncio da cumplicidade. E isso chega porque já é tudo. Só nós. Na massa do sangue de um pacto selado, por dentro.

janeiro 03, 2009

A vida a pulso

Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar
Parto rumo à Primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu
Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que desistem
Antes de morrer
Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei em nada
Do que em mim tocou
Eu vi mas não agarrei
Eu vi mas não agarrei
Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver p'ra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro p'ra sentir
E dar sentido à viagem
A sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz "Coragem!"
Volto a partir em paz
Eu vi mas nao agarrei
Eu vi mas nao agarrei
Eu vi mas nao agarrei
Eu vi mas nao agarrei
Ornatos Violeta, "Capitão Romance"

O-culto

"Os crentes alimentam-se do seu deus, devoram-no, digerem-no, eliminam-no, até ao próximo natal, até à próxima ceia, ao ritual de uma fome material e mística sempre insatisfeita."
José Saramago