Procuro-te numa história abstracta do meu imaginário mais íntimo, procuro-te contra uma lógica de impossibilidade, talvez te escondas na timidez angulosa do homem utilitário, mais fulano do que pessoa que também sei ser. Mas não sei. Procuro em ti uma imagem proibida de mim, tudo aquilo que fui arrumando para o quarto escuro do adiável. Tenho medo de lá voltar, tenho medo que abrir a porta seja embater de frente com a felicidade, do outro lado do vidro. Inquebrável. É estranho como acabas sendo um projecto sem autor, uma mistura grosseira de lugares comuns, de parecenças onde te perdes. Afinal somos três no mesmo espaço. O sonho de mim, a consciência dele e a imagem disso tudo. Sem identidade.
Podemos viver sem nós, em piloto automático, diluídos numa massa espessa de "igualização" até que o fim se aproxime, oficialmente. Socialmente decretado. Há muito que caminhavas longe de ti, suor de incómoda tristeza a escorrer-te da alma e rias, chorando. Vendeste-te porque julgaste que o conforto vem da pertença a uma maioria, sem ponderação. Esqueceste-te para que os outros te lembrassem, reflexo mudo de uma ausência. Andar acompanhado não é andar perseguido. Andar com alguém é seres tu e essa pessoa ao mesmo tempo, é a diferença a procurar-se maior, mais nobre. Na vida és o teu projecto, és diálogo de sonho feito marcha de combate e nesse caminho vais descobrindo outros que se procuram também. Peregrinos de acreditar, crentes da vontade, amantes da construção. Diversos e plurais.
A riqueza vem do inesperado e espontâneo, partilha silenciosa da tua verdade. Não confundas por medo os conceitos, torna-te um artesão da luz que te fará sentir vivo e inteiro. Sermos vários num mesmo espaço tem que significar pluralidade, multiplicidade e nunca anexação, intrusão. Amar alguém que está ao nosso lado é aprender a gostar desse mundo novo, dessa notícia inteira aos nossos olhos. Abraçar-te sem preguiça de te conhecer, conversar contigo e não apenas falar, pelos meus olhos, das tuas coisas. Unir a vontade de ser em mim alguma coisa à tua determinação em marcares os dias por dentro. Dois pólos distintos, duas forças revigoradas pela partilha que afugenta a solidão de nós a nós mesmos. Dentro de mim só há espaço para o meu chão e para os meus passos. Quero ter consciência de que sou uno, vontade e realização, projecto e realidade.
Vivo sem pressa em antecipar o que tem o seu tempo, lá à frente. Não desço a fasquia para tornar os meus valores o mais lato de mim, buracos de condescendência aflita. Eu sou o meu reflexo e nunca a minha sombra, emprestada aos outros. Afirmo-me porque antes de tudo sou meu. E tu entendes, eu sei. Mais importante, cuidas de mim quando tropeço nos enganos desta vida. Respeitas-me em tudo e dás-me a tua verdade, quando chegas, para ficar. Eu sei, sinto-o a vibrar no silêncio da cumplicidade. E isso chega porque já é tudo. Só nós. Na massa do sangue de um pacto selado, por dentro.
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