" (...) Mas o que mais admirava é que em torno das paredes, discriminando aquela multidão de fantasmas oriundos do seu país, datada dos idos anos 70, a mapeação era explícita. Uma coluna ainda estava encimada por uma epígrafe suave - Estes São os Que não Devemos Esquecer. Mas, numa outra, bem mais extensa, lia-se - Os Que não Podemos Perdoar. Numa terceira fila, jaziam em coluna horizontal, como heróis do excremento, votados à posição dos vermes, Os verdadeiramente Traidores. E finalmente uma longa lista, a maior, a que dava a volta à parede, englobava, de forma melancólica, Aqueles Que não Nos Traíram mas Nos Deixaram Sós. Nomes e factos alinhavam-se sob as suas figuras como destinos fechados. (...) Permanecer ali era entrar na memória proibida duma pessoa, aceder a seus escaninhos recônditos. Enfim, era como se entrasse dentro do coração secreto dum homem."
(...)
"Sim, confesso, por vezes bastava deitarmo-nos no chão, com os olhos fixos no horizonte da cidade, para que tudo quanto desejávamos acabasse por acontecer. Pela janela fechada contra o voo dos insectos, passavam as nossas silhuetas, deambulando. Por baixo de nós só havia escadas e a terra do quintal, podíamos andar e andar até ao infinito. Podíamos continuar à espera."
In: "O Jardim sem Limites", Lídia Jorge
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