setembro 24, 2009

Juventude Perdida

"- What's endurance?
- It's holding on."

setembro 15, 2009

Na minha rua


Bato à porta do tempo e não sei dizê-lo.
Parado ou agigantado buraco à cabeceira da vida.
Olho-o de fora para dentro, espectador lacrado,
os ponteiros giram sobre um fundo branco. Escuro.
São 3.35 da manhã, dizem-me. Não sei dizê-lo.

Tic-tac dentro da minha cabeça, o mundo não pára.
Enrolo-me de um semi-sono, vigília apertada,
pálpebras a susterem o grito das conclusões.
Tempo de ver, antever. Olhos maiores,
mundo que se estende ao meu lado, às 3.35.

Batem à porta, estava aberta, conscientemente.
Sempre, numa atenção feita escrúpulo. Agiganta-se,
o tempo a pairar sobre a minha face, perfilado.
Na parede, dançam silhuetas e aquele tic-tac lá.

Afinal somos nós, nesta estação de tempo seco,
embriagados de humanidade, à porta de casa.
O tempo bate, bate-nos. Tic-tac. É ele. Eu,
não sei dizê-lo, a mente desorbitada à cabeceira,
do mundo, das ruas onde nos encontramos, nós.

Não sei. Trago-vos presos ao relógio às 3.35.
Abre-se a porta, fecham-se os estores, é noite,
no escuro do quarto. E aí estão eles, vocês aí,
nessa parede, minha, pobres de vocês, pobres.

Bato a porta. Eles estão aqui comigo.
A cabeceira da vida é demasiado dura.
Eu não sei dizê-lo. Tic-tac, ali.
*Imagem retirada do blog ovozero.blogspot.com

setembro 14, 2009

Song to the Siren

Les Étoiles

Política

"(...) Além disso, sei também que aquilo a que as pessoas chamam 'política' deve ser sempre indissociável da vida, é esta última que justifica a primeira. Estou vivo e sei que há política em cada gesto, em cada palavra. Em tantos aspectos, a esperança é um sentimento político."
In: Visão, José Luís Peixoto

setembro 10, 2009

Memória

para a Inês
Aprende o infinito, recupera
a distraída bússola da alma
pouco a pouco sonâmbula, o exausto
sabor da tua vida enquanto é mais
que um recado de lume no teu corpo,
que a promessa da febre no teu sangue,
e aprende sobretudo a suspender
o tempo quando abraça quem morreu
só pra ressuscitar dentro de ti
ao cumprir a memória incandescente
dos dias que o amor transforma em meses,
dos meses que o amor transforma em anos,
dos anos que o amor rasga e entrega
ao rosto azul do céu e destes versos.
Fernando Pinto do Amaral

Hipérion e Diotima

Às vezes, quando a noite se prolonga
na espessa madrugada, abrindo as veias,
e podemos ouvir, sem grande esforço,
o secreto ruído das asas
dos anjos pelo céu,
é um bom exercício contemplar
um rosto que se amou, fixar-lhe os traços
até sabermos reconstituir
cada pequeno pormenor,
cada poro da pele outra vez nossa,
cada olhar liquefeito, cada antigo
sorriso onde ardiam as maiores
ilusões deste mundo.

Agora que experimento fazer isso,
utilizo o teu rosto: ele atravessa
a cegueira das noites em que não dormimos,
o espelho embaciado dos meus olhos,
o cristal sempre intacto dos mais belos
sonhos.

Podes ficar aqui? Não vás embora,
precisarei de mais alguns minutos,
horas, dias, semanas, meses, anos,
eternidades para te esquecer.
Por favor, não te esfumes no meu sono,
nesse pântano lento onde me afundo
entre o lodo já turvo dos lençóis
e as lágrimas tão ácidas do dia
que há-de nascer, que já nasceu sem ti,
como se o próprio sol quisesse castigar
a minha vida com a tua morte.

Fernando Pinto do Amaral

Segredo

para a Inês
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
Fernando Pinto do Amaral