fevereiro 13, 2010

No Rasto de Mim

A minha cabeça é uma circunferência desenhada no ocre da terra humana com a cinza da vida. Muitas vezes sento-me à margem do que vejo dentro de mim e sinto o chão descer ao fundo da verdade, escalada para dentro, poço de segredos rodeado de árvores de sombra, enormes como um verdadeiro testemunho de existência. O sol queima a fuga: anos recapitulados, horas dilatadas numa terra efervescente, há uma luz aguda em tudo o que é visto por dentro, cá dentro.
E é isso que observo: um lastro telúrico chega-me aos olhos vindo da memória mais funda, manifesta-se nessa inquietude recolhida à sombra de um corpo a vibrar, procurando, em silêncio. E eis que o mundo é aquilo que a história quer continuar, não sei sair desta clareira onde me fiz pedaço sempre incompleto. E procuro, marco o chão com as perguntas vindas do fundo dessa declaração de humanidade que é dividir-se entre o reflexo cristalino do que vem até aqui e o que o céu promete, lá em cima, paralelo de mistério e enquadramento. Somos assim, seremos sempre uma ponte imperfeita entre dois oceanos de verde denso, olhamos as fronteiras da nossa terra, do nosso corpo vivo e reconhecemos aí o sabor secreto de uma confissão tantas vezes repetida, evocação de chão ido mas somos impelidos a olhar mais longe: ninguém sobrevive com o passado, fantasia que nos inebria e consome, é preciso levantar a cabeça, respirar outros ares vindos com o fim de um mundo, limitado.
A minha cabeça é um homem dividido entre certezas sem corpo presente e um amanhã azul, nos meus olhos cabe inteira essa adivinhação aérea, infinita. Chão ou céu, passado ou futuro? Posso dizer que a carne humana é o volume que se gera pela vibração impossível desta oposição, radical, cravada na pele da aparição de um homem dentro de cada um. É aqui que cada um fala de segredos que carrega dentro de si, neste espaço de questões solitárias e pessoais abre-se o chão e julgamos trepar a essência num silvo de promessa. Nunca ninguém confessou que dói, que somos só fragilidade, o medo comprime-se na coragem de uma verticalidade que o supera a contar as horas pelas linhas da memória. Olhos como espelho de um território submetido, aberto como um livro que se devora pela certeza das palavras que ressoam na tremura da pontuação. Somos um ponto final em alguns capítulos, fugimos de consumir esse trilho numa luz que se supõe num mundo que não pára mas não explica. E se pudéssemos tocar o Céu?
O ocre da carne humana, a cinza de um suor íntimo e uns olhos-espelho. Ouve-se o rumor das árvores e o marejar das águas no topo da cabeça, encostada à parede de um anel. Sente-se o movimento intangível nesse circuito inevitável, viaja a pergunta entre a história e a adivinhação e talvez viver seja a única crença, a fé imperfeita, humana, prospectiva mas secretamente nostálgica. - É preciso levantar a cabeça e respirar, respirar.
Talvez o segredo seja o mesmo para todos e cada um. Fecha os olhos dentro de ti, deixa de ser um homem à procura do embrião, deixa que um verdadeiro testemunho de existência se erga pela força do sonho, nesse lugar até agora desaparecido, demora-te na descoberta dessa vontade de deixar entrar o improviso. Olha-te ao espelho que construíste dentro de ti. Vês chão ou céu? Vês a água de um rio estagnado ou a foz de um começo? Um dia vais ver que a água que a terra faz correr vai fazer dos teus olhos um corredor em que tudo cabe, à luz de uma questão surge um dia, outro, onde o céu desce devagar e te faz acordar com um sorriso estelar.

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