março 24, 2010

"Papel, pedra, tesoura"

'(...) Perante isto, pergunto-te: estás convencido de que cheguei a este dia sem convicções? És capaz de conceber que não acreditei em inúmeras ideias certas e erradas até chegar a este instante preciso? Diante da varanda onde estou, há uma árvore gigante, de folhas grossas. Os macacos mexem-se nos ramos e, dentro da escuridão, parecem crianças. Para te protegeres, poderás achar-me arrogante. És livre de pensares o que quiseres. Podes achar que estou cheio de mim próprio. Continuas a ser livre. Mas tanto eu como tu sabemos que não me conheces o suficiente para tirar essas conclusões com propriedade. Nos cafés que servem bagaço, costuma haver um azulejo onde está escrito: «se tens inveja do meu viver/vai trabalhar malandro». Não é isso que te digo, também não te conheço o suficiente para te chamar malandro, mas digo-te: se tens inveja, é bem feito, mereces. Essa inveja há-de envenenar-te mais do que estes mosquitos miudinhos que andam aqui à minha volta a procurar, ingloriamente, um pedaço de mim que não esteja protegido por repelente de insectos.'
José Luís Peixoto, In Visão

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