abril 16, 2010

Avó

Vejo-te por dentro de uns olhos húmidos, intimamente à procura de um sinal de despedida, de saudação. Não quero que vás e, sim, é um egoísmo a que chamo amor, raiva, afecto. Abro-te o coração como tu me abriste o caminho por desvendar, há tanto de ti em mim que te ouço a partir do meu silêncio. Não te fujo, não me foges também. Quando te vejo encostar a cabeça e descansar o azul do teu céu atento, fito em mim por apego invencível, tenho medo e não to confesso - talvez a perda se despiste, passe ao lado desta morada que quero como a vida. As tuas mãos adivinham a ansiedade apertada contra ao peito, os dentes rilham a fatalidade ao meio, a memória adensa-se num rio secreto e chama-se a isto viver, todos os dias. E podia iludir os anos dizendo-te que me tornaste possível e que, desse modo, perpetuaste a tua voz, o teu calor tão obstinado. Podia mas a cara foge para dentro das sensações, a voz é um fio ao vento e não te largo, à procura só de ti. Para quê as palavras, não me dizes? [não digas, abre-me a mão, cobre a minha com a tua paz] És tu neste relâmpago que me queima a garganta, sou pedaço de um todo que reclama o seu lugar, maior, sempre maior, se possível. Azul, imenso.
Caminho, mar ao lado, céu a mergulhar na noite e lembrei-me de ti. "A minha viagem está a chegar ao fim, filho" e não é assim, o medo é a certeza de que preciso do teu corpo, das tuas palavras, do teu caminho a dar força ao meu. A família é a minha terra e é o amor a chamar num silêncio carregado de um cheiro a maresia, intenso como um sinal de um significado que se estende no areal. E não quero ficar sozinho, não me fujas, não, a tua viagem começa todos os dias na esperança que os teus olhos agigantam na magia da partilha. Não há tempo, não há pressa, há uma urgência em permanecer. E os olhos temerosos que embarcam no azul dos teus não vêem a despedida no horizonte. E iludo os anos pensando com o coração a arder que foste também tu que me fizeste crescer, ser para o dentro de tudo. Admiro o sentido dos teus passos, a força da afirmação em que a tua vida se tornou. [É preciso continuar, nunca dizer que não se quer o amanhã] E abres o teu coração cansado e é a tua mão que me acalma, és tu que cabes inteira nesse carinho que agradeço com tudo o que tenho. As palavras, para quê? Azul, amor, imenso.
O teu caminho brilha sobre o medo da noite próxima. Não te deixes ir, não desistas de viver o amor sem pressa, sereno porque certo, branco e livre. E caminharei sempre pela tua estrada, o céu mais perto do teu rosto, tu a voz e a sensação de paz, um sorriso a embalar o meu peito a crescer, abres o teu mundo e deixas-me ficar para lá de um destino certo, de uma despedida que não se anuncia. É preciso nunca dizer que não se quer. Abdicar é morrer por dentro, e tu és sempre possível.

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