julho 02, 2010

Clube Nocturno.

Um pedaço de céu coube inteiro no corpo maleável de um sonho primaveril -
havia uma luz mansa a cobrir-lhe as pálpebras e chegou a ser um aviso ao contrário, bom, como uma verosimilhança nascida de uma confissão inconsciente, a meia luz, sem registo de dia, sem tempo; só tempo pela sua absoluta negação. Um corpo demorou-se nessa ausência de planos, tarefas, objectivações impertinentes. Ser-se um nada para o mundo, lá fora, enrolado como um feto na recriação de um ambiente primitivo sempre em contraluz, lá, dentro da casa onde tudo acontece, lhe acontece. Havia um quarto crescente dele, o céu ao dispor da imaginação, até ali cega de mundo mas curiosa como uma folha branca, ao vento entre as partes impossíveis de uma possibilidade a cozer em lume brando, registo primeiro de experiência. De olhos bem fechados é que era bom, não digas à vida, ela não gosta de opiniões como passos em cima de séculos iguais, rasto absolutamente seguro. Não te agudizes, não acentues a tua presença se o barulho do pensamento incomoda os vizinhos. Sente-se o peso do andar-se em cima das vigas de um edifício histórico, já sabias quando te arrendaram o espaço. Em sonhos és só tu como o és também até àquela fracção de segundo em que o outro te invade o corpo inocente e te toma como mais um na corrida pelo tempo certo, pelo tempo, só. Jurou que era a campainha que se insinuava entre ele e a sua conversa mas o quarto ainda é longe da porta de entrada. E ele não quer sair, se faz favor, é um aviso, sim, vá sem mim que eu já o apanho quando souber de mim.
Um homem procura parte de si, debaixo da cama não há nada, sempre o tentaram convencer, fazer crescer é assim, segundo consta. Acordou como que renascido para uma mesma morte, a da noite anterior, entre lençóis brancos como as insónias. O vizinho de baixo viera avisá-lo que a fruição de espaços comuns na vida tem um preço como o de uma suspeita calada, subornada.
Dê-me uma cópia da sua chave, não é seguro que se tranque sozinho, aqui, longas horas sem sabermos de si. Não é justo, sabe? Não lhe digas que não é bem assim, ele chama já os companheiros de jogo e nem debaixo da cama poderás guardar-te. E ele não quis sair, se faz favor, não volte mais ou eu não o deixo continuar a dormir logo à noite, com o silvo de um monólogo que nem eu sei como começou e porque teima em não adormecer.

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