setembro 04, 2010

MM.

"Humanal pretensão esta de bem amar-te mortalmente, minha senhora esposa, nem esposa, nem senhora. Mas o suposto nunca é o consentido. Eis a noite e o troar do mar e a branca estira da portada entreaberta, eis a insónia a teu lado.
(...)
Creio que sou já na idade em que nos repetimos. Não, não é bem isso que quereria dizer. Não é ainda a consolada litania dos momentos idos, o comprazimento no anedótico, a caquexia de alma
do que se agarra a destroços e os reconta com a candura absurda da novidade e que torna os velhos enfadonhos, repelentes como uma supuração que não sara, ou insólitos se encontrados pela primeira vez num banco de jardim. É antes o começo da forma envelhecida da esperança, provar com insistência que se foi, que se soube, que junto de nós foi, que não passámos em vão, que estávamos onde foi o terramoto, a morte do parente, a beleza sem turismo de uma enseada, os vidros listrados de papel das janelas ameaçadas, guardadores do instante, testemunhas.
Não, não creia que é a melancolia do declínio, ou o tão simples quanto a si temor da morte. Há apenas conjuras, eixos fixos, uma trama melódica peculiar a cada um de nós e parece-me haver chegado o tempo de conhecer a que me cabe."

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