novembro 15, 2010

Na Cidade - "Cimêncio: Cimento, Silêncio."

Ouço-te chorar enquanto caminho pelas ruas de uma cidade sem sentido, sem norte e é como se o lastro sujo dos edifícios não fizesse mais do que ampliar a tua dor, sufocando-te entre duas linhas rectas que não te são nada, que te fazem deixar de ser alguma coisa. E lembro-me de ti sem saber o teu nome, tal como nesta cidade se nomeiam os outros com o dedo a apontar a massa indistinta de mãos ao trabalho, mãos sem sentido aparente. Não conheço a concreta fisionomia da tua dor, mas o teu medo flutua dentro da minha cabeça, ao sabor de um vento agreste de Outono, melodia da desgraça que se aprende a disfarçar com o chapéu de chuva, numa corrida. E é no escuro do dia-noite que se vê melhor, as arestas dilatadas pelo silêncio que serpenteia na estrada molhada.
Ando a pé e sinto o paradoxo emergir mais forte, mais concretizado em cada esquina deste espaço-montanha de cinzenta desatenção. És tu e sou eu se se pensar e sentir ao mesmo tempo, usamos todos o mesmo tom algures na vida. O teu sofrimento escorre, deixa-te prostrado e eu vejo-o, num só sentido, sem norte. Não sei o teu nome, não esqueço a tua cara enquanto penso que, às vezes, a deformação é a verdade, os traços estilhaçados de um homem na rua são um sinal de qualquer coisa que procuramos afastar pelo conforto da pertença a um outro sítio, sorte, talvez. Não estamos assim tão distantes que uns olhos negros de solidão não me façam estremecer pela concreta obscenidade com que o mundo veste os homens e a sua condição. É no escuro dos outros que se ouve o choro de uma criança e não se consegue disfarçar nada, nem com o chapéu de chuva, nem com Deus, com nada. O homem que foi criança, abatido, num silvo brusco.
A cidade é sobretudo uma avenida de pensamentos: circulam rápidos, diligentes, abstractos. Onde eu e tu? Onde as respostas que não se revelam a caminho de casa? Este homem de quem nunca chego a saber o nome não me olha nos olhos, como se fosse neles adivinhar a luz de um conforto doméstico, os conceitos e passos de um outro homem, aquele que ficou com o seu nome, numa corrida, entre edifícios e que me declara numa antítese grosseira. Olhos que são um grito mudo, ensimesmado, num mar morto de tudo. Não consigo ser indiferente num silvo de passos, algures. Sinto-me eu sufocado por te ver dessa forma tão humana, tão real, tão nua e questiono de onde terás vindo, do mesmo lugar em que eu moro, abrigado de um Outono violento? Envergonho-me desta cidade, deste País e desta humanidade que se prende num caminho julgando os outros como desertores de um paraíso (perdido); E é ao escuro de uma vida que devemos perguntar sempre se vamos ficar por lá, daquele lado onde quem caminha na nossa direcção ignora a concreta fisionomia da dor que nos morde o corpo e se esconde num conforto apressado a caminho de casa.

1 comentário:

Stéphanie Antão disse...

A vida passa a correr como água que não conseguimos reter nas nossas mãos, e muitas vezes os dias assemelham-se, as caras que vemos também, as paisagens que olhamos, e muitas vezes olhamos sem olhar, podem parecer iguais, mas sofrem mutações constantes... Só quando sentimos dor e revolta é que nos apercebemos e observamos o que realmente nos envolve.
Todos queremos ser felizes, mas há sempre desilusões e mágoas que a tal impeça... Mas mais vale sofrer e ver o que realmente está a nossa frente, do que viver uma ilusão de uma suposta alegria perfeita inexistente.