"Em Portugal, como todos os Portugueses sabem, é muito raro conseguir seja o que for. Em contrapartida, tudo se arranja. O arranjar é hoje a versão portuguesa do conseguir. (...)
O próprio sistema, político, económico, cultural, social estimula uma atitude para com o cidadão que se traduz pela expressão "arranjem-se como puderem". E o cidadão lá se vai arranjando. O mais das vezes, este apelo constante ao improviso, à cunha e ao desenrascanço leva aos piores resultados. A continuar assim, o país está bem arranjado. (...)
Já quase ninguém diz, em privado, que se vai "conseguir" ou "obter" ou "alcançar" ou "garantir". Já não colhe. Nos países estrangeiros ainda se acredita que se criem postos de trabalho. Em Portugal, arranjam-se empregos. Noutros países, é possível que se desenvolva a construção de habitações sociais. Aqui, arranjam-se casas. (...)
Até as ideias se arranjam, em vez de se terem e de se pensarem é como se os Portugueses, em vez de se darem ao trabalho de usar a cabeça, se limitassem a arranjar o cabelo.
A vitamina A portuguesa, cura temporária para todos os males é o Arranjismo Nacional. Arranja-se uma receita para arranjar o remédio para quem arranjou uma constipação. (...)
Enquanto tudo se continuar a arranjar nada se há-de conseguir em Portugal. O mercado dos arranjos, dominado por uma multidão imensa de arranjistas e arranjões, é maior e está bem mais implantado do que qualquer mercado negro. Para sair da mentalidade viciosa do arranjismo nacional, é preciso que cada português comece a distinguir entre arranjar e conseguir. Arranjar é obter algo por razões alheias ao mérito próprio e à justiça das circunstâncias - e logo representa tudo o que o Conseguir, leal e esforçado, não é. O arranjismo pode ser um reflexo do subdesenvolvimento, como não se arranjou chegar à Índia, ou acabar com a pena de morte, ou escrever os Lusíadas ou a Mensagem, ou qualquer das outras coisas boas que os Portugueses conseguiram fazer, sem truques ou manigâncias ou espertezas saloias, também não se há-de arranjar sair deste poço cultural em que caímos. Arranjar é próprio de um país miseravelmente possível. ("Desculpem, mas não foi possível arranjar mais...") É preciso começar a conseguir as coisas, seja com que dificuldade for. Senão, Portugal chegará a um ponto em que nem arranjo há-de ser."
Miguel Esteves Cardoso
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