"Em Agosto a vida não parou e o Algarve é só um espelho parcial da Nação. (...) O país move-se pelo hábito, pela inércia, pela apagada e vil tristeza. E uma ínfima parte move-se pelas coisas boas, criativas, novas mas que são a muito pequena excepção.
Mas, sobre este movimento contínuo, os calendários da vida moderna, em parte feitos pelo Estado burocrático, como sejam as férias escolares, em parte feitos pela sociedade impregnada de espectáculo, exigem rupturas, paragens, recomeços. O dia 31 de Julho já se sabe que é maldito para se dizer coisas importantes (que o diga o Presidente que rompeu os costumes do calendário), o mês de Agosto é silly por excelência e nele só cabem silly things. Depois, é suposto haver uma rentrée, um acto de recomeço, um momento que tem que ter surpresa e novidade, porque isso é que vende jornais e abre noticiários de televisão. Não adianta argumentar que sobre os problemas do País se pode sempre dizer o mesmo desde o século XIX, ou, se se quiser ser mais modesto temporalmente, desde o defunto governo Guterres (inclusive).
Que se pode sempre dizer que as coisas vão de mal a pior, todos os dias andamos para trás e sabemos muito bem porquê e sabemos muito bem porque não há forças endógenas que empurrem para a frente.
Mas não adianta. Temos pois que dizer sempre coisas novas, espectaculares, para saciar o monstro comunicacional e os seus viciados, ou seja, quase todos nós. Não suportamos o silêncio, mesmo quando é o silêncio dos actos, não suportamos que nos digam sempre as mesmas coisas, mesmo que sejam as fundamentais, não suportamos que não haja "novidade" efémera e ficcional que seja. A logomaquia tem que continuar."
Pacheco Pereira, in "A lagartixa e o Jacaré"
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