outubro 22, 2009

Carimbo português

O turista emerge na esquina de um destino de Verão e pergunta: "Onde fica X?" Caminha, já sabe lá chegar. À medida que os seus passos riscam o chão da tarde ele marcha, interiormente, para trás. Ao deter-se à porta dos pormenores da paisagem ele vai apreciar o que vê numa comparação com a casa que o moldou. Aos olhos curiosos e irrequietos a aparição de uma cultura vem de um paralelo que as malhas afectivas traçam acima de qualquer distância, de qualquer luta. No êxtase do exótico, na plenitude de outros silêncios geográficos ele, turista apaixonado pelo mundo, é ainda e sempre português. Ele agarra a máquina, anota, toca e sente com uma urgência que só pode significar a pátria a chamar mais alto por cima do cosmopolitismo. Lá, ele será sempre um estrangeiro por ruas cujas sombras são uma abstracção desse concreto cenário que o fez ser homem, ser. Não, ele não rejeita a sedução do novo, ele precisa de conhecer mais para talvez encontrar respostas. Viajar é isso mesmo: um caminho para a sabedoria. "Onde fica X para quem vem de P?" ou "Onde fica P depois de X?" Para quem o vê deslizar pela tarde não há nada de muito peculiar, é um turista num país que se abre. Para o português é mais do que isso - no contraste que voluntariamente se procura agigantam-se os contornos desse berço que nos protege, que nos desgosta, que trazemos amarrado à carne. Para ele essa caminhada pela estrada da capital estrangeira é uma intervenção cirúrgica que se dá na transferência recíproca de ambientes, cheiros, quadros humanos. P não será visto da mesma forma depois da sobreposição que A confecciona num misto de emoção e razão porque as distâncias afiam sensibilidades. A dobra uma esquina como quem se decide a valorizar a pergunta como lema. Leva um mapa, leva um passaporte que lhe diz o caminho e que lhe permite também abrir a porta da curiosidade. Pega nele, toca-lhe, sentado numa escadaria martelada pelo tempo. Portugal está dentro de si e eis um pequeno espelho dessa ligação telúrica, apaixonada. "Anotação de entrada e saída." Sente sempre isto quando chama a si os confins do mundo: apesar da magia do novo, apesar da imensa energia que colhe além fronteiras, há um alarme que dispara e sinaliza no mapa a letra P como uma espécie de bússola tolerante que só se insinua depois que outros trilhos lhe completam as anotações. Apesar de tudo, A sente um grande alívio por não ter que perguntar "Onde fica P?" Caminha, sempre soube como regressar.

2 comentários:

Miguel Payton disse...

sentir, sentir, sentir...

André Mesquita disse...

Como em todas as paixões também com o nosso país, com a nossa casa estabelecemos um diálogo feito de um claro-escuro que nos impele ora para mais dentro, ora para outras paragens. O absoluto disto tudo é que somos porque sentimos e o que isso é vamos descobrindo ao entregarmos a vida às paragens do caminho sem nunca perder a origem.*