"Há homens que nascem póstumos. (...)
Chama-se ao cristianismo religião da piedade. A piedade está em oposição com as afeições tónicas que elevam a energia do sentido vital: a piedade actua de forma depressiva. Perde-se a força quando se tem dó. Pela piedade aumenta-se e multiplica-se o desperdício de força que o sofrimento já por si traz à vida. O próprio sofrimento se torna contagioso pela piedade; em certos casos, a piedade pode acarretar um desperdício total de vitalidade e de energia; perda absurda quando comparada com a pequenez da causa. (...) Admitindo que se mede a piedade segundo o valor das reacções que habitualmente ela faz nascer, mais claramente ainda aparecerá o seu carácter de perigo vital. A piedade entrava, em suma, a lei da evolução, que é a da selecção. Ela tem compreensão para com aquilo que está maduro para desaparecer, defende-se em favor dos deserdados e dos condenados da vida. (...) Mas é preciso nunca esquecer que isso se fazia do ponto de vista duma filosofia que era niilista, que inscrevia na sua fronte a negação da vida. Schopenhauer tinha razão quando dizia: A vida é negada pela piedade, a piedade torna a vida ainda mais digna de ser negada - a piedade é a prática do niilismo. (...) Para proteger o instinto da vida, seria necessário, com efeito, procurar o meio de vibrar um golpe a uma acumulação da piedade, tão perigosa e tão doentia como a que é representada pelo caso de Schopenhauer. (...)"
In: o Anti-Cristo, Friedrich Nietzsche
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