maio 06, 2010

Fanny Owen

"O orgulho é desprovido de alma; e, no entanto, em tudo a imita.
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Chamava-se Clotilde; tinha o olhar de espia dos que servem muito tempo dentro dum espaço fechado.
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Sem deixar de ser dedicada, Judite tinha pelos patrões um violento sentimento de despeito. A alma dela era grande demais para se contentar com a servidão.
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A vida de província era acidentada pela luta mesquinha das opiniões, a intolerância das tendências, a proibição dos afectos; tudo amparado pela fisionomia das paixões, infames porque não contribuíam senão para iludir o tempo e esquecer a morte. Devoções, vícios, simples lágrimas de júbilo ou de luto, tudo resumia o grande tédio que é uma espécie de auréola do martírio para pequenas compleições.
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Abstinha-se de o aconselhar; sabia que a vida dele tinha uma lógica só, que era o capricho; e que, passado esse instante de desfiguração da própria índole, ele voltaria àquela avidez de liberdade, terrível liberdade porque lhe impedia a correcção da consciência.
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O desprezo por aquele homem dava-lhe uma espécie de segurança.
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O Porto tinha uma condescendência especial para as mulheres infiéis, se elas eram inteligentes bastante para não preferirem o amante aos deveres da sociedade. Não se discutiam os gostos, logo que não se cometessem erros com eles."
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O coração receoso não quer provas dos perigos a que renuncia.
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Quando um triste se ri é porque encontrou alguém mais triste ainda. Há uma espécie de felicidade impura que ataca as pessoas como eu. (...) Quando se sofre na idade de ser feliz, nunca mais se acredita na felicidade; nem como acaso, nem como recompensa. Os nossos tormentos tornaram-se num hábito mais querido do que qualquer compensação. (...) A infelicidade é uma espécie de renúncia, não tem nada que ver com a desgraça. É a mais ardente das amantes e por ela sacrificamos tudo: a honra e os amigos, e até Deus.
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A paixão é uma dessas coisas assustadoras. Não a paixão pela glória, ou por uma mulher. É talvez a consequência da falta de eternidade. (...) A amizade é a única coisa que os deuses invejam nos homens.
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O amor não é senão uma cristalização do desejo. Precisa de muitos sacrifícios para inventar a originalidade.
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O que faz o homem é o medo e a sua revolta. (...) Vivia de apetites e ignorava os desejos; os apetites reformam-se como as letras de câmbio, os desejos não se podem vencer. Ele [José Augusto] tinha uma sege e apetecia-lhe uma caleche; comprava um fraque e achava indispensável uma peliça; comia rodovalho e depois pedia ostras. Mas os desejos - quem pode caucioná-los, dar-lhes nome, informar a seu respeito? Estão assolados pelo medo, exprimem por mil talentos importunos, «destinam-se a paralisar a alma e não a corrompê-la. O que corrompe é a satisfação do apetite; o desejo nunca se satisfaz, é uma ferida no flanco, uma febre no pulso, uma nódoa no pulmão. O desejo convence à morte como o mais doce dos ópios. José Augusto não era um homem de desejos."
In: Fanny Owen, Agustina Bessa-Luís

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