janeiro 16, 2011

Prazer e Glória.

"Em todo o homem novo e ambicioso há uma inclinação à prostituição do gosto, para atingir os objectivos do temperamento.
(...)
O artista é um predador; a sua criação é devoradora, ele espera a presa com uma obstinação vingativa e reduz a sua realidade atómica a qualquer coisa de supurante, que o génio expele, alguma coisa de sórdido e inquietante. (...) Os artistas não têm sentimentos; têm uma forma de os honrar pela definição e até pelo abuso das suas invenções, que os tornam mais duradouros do que são.
(...)
O povo estava cansado de desordem e do saque dos governos repetidos. Sentia-se alvo do ridículo, o que é a maneira de se sentir capaz de sacrifícios, inclusive o da própria liberdade.
(...)
Cedo se apercebeu de que o prazer combinava com o sofrimento, e este era uma genial forma de aceleração do tempo. A ideia que tinha duma obra humana era de insuficiência e de desgosto. A duração do homem não permitia que ele atingisse a maturidade do cérebro, criado para uma aprendizagem imortal. O sofrimento condensava essa ordem temporal da inteligência, afinava-a como um instrumento de inspecção ao passado e fazia-a mais profunda e útil. Como criatura de prazer, ia buscar aos limites do sofrimento os necessários alarmes que respondiam às suas meditações. (...) A eternidade das coisas faz-se com o abandono da realidade imposta pelo seu desfrute."
Prazer e Glória, Agustina Bessa-Luís

Sem comentários: