janeiro 19, 2011

Prazer e Glória [II].

"Em geral, a maioria das coisas significativas da nossa vida ficam sepultadas no passado, e nem mesmo com a memória ou a confissão delas as tira de lá. Há uma espécie de impraticável factor para elas serem expostas e comentadas. Resistem à luz do dia como se as trevas fossem protectoras do seu espírito, que é o condutor da verdadeira sobrevivência humana.
(...)
Era um nómada sem pretexto, um emigrante por futilidade; tanto lhe pesava a vida no país, que se isolava dela pelo exílio das viagens e a solidão da pátria dos outros.
Isso era natural do português médio, que não há outros. Tudo é médio no português: a estatura, a mente e as descobertas que, ao prometerem grandeza, se tornaram mero acidente e porto comercial. Enquanto se negoceia recusa-se participar na linguagem codificada das nações, quer religiosa, quer política. O negócio é factor de entendimento, mas não significa um pacto. O português é leal em cinco minutos, durante uma vida em que muitos cinco minutos se repetem. Mas não exclui a hipótese de trair, iludir e alterar as cláusulas a todo o momento; porque o engano é uma fascinação da culpa. Sentir-se culpado é um dos atractivos da delinquência.
(...)
Os homens públicos e os políticos não devem desaparecer um só dia, porque o olhar do seu público, que é o seu criador, se desabitua das feições e dos gestos que se vão mudando. Quando voltam, carregam a maldição desse rosto que se faz estranho e que traz a máscara da putrefacção."
In Prazer e Glória de Agustina Bessa-Luís.

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