"A primeira grande certeza era essa. Que nos filmes os momentos bons só costumavam durar uns minutos.
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Sebastião Guerreiro queria antes um verdadeiro deserto, areia atrás de areia, rocha a seguir a rocha, e onda e onda. Um espaço puramente desabrido que fosse só ausência. Era o que queria.
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Aliás, era sobretudo quando o dia começava a cair para a noite que aquele aperto de garganta e traqueia a que também se chamava anguish. Anguish, repeat, mister Sebastian. Aquele aperto se instalava na sua vida, oferecendo a quem calhava vê-lo de perto um ar de estátua pousada no dorso da melancolia. Precisamente o que em tempos terá levado a que lhe chamassem de Cagaça. E isso, porque mesmo e sobretudo aos domingos, o escuro começava a descer pelas seis da tarde com um acinte de urgência, como se fosse eclipse, e ficava raivosamente pelas horas inteiras da noite até ao princípio do amanhecer. Então as memórias afogueavam-me os dedos, e chegavam a humedecer-me a vista de homem feito no pleno da maturação, meus amigos.
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Agora sim, a ausência e o passado faziam compreender o significado mais amplo e mais profundo de tudo o que lhe queria dizer naquele dia. Afinal a memória tinha um rabinho peludo por onde se puxava, e atrás vinham os afectos gritantes, ai de nós, ai de nós. E era tudo.
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Como era possível as desgraças virem a acontecer nos sítios amenos, rodeados de jardins e batidos pelo mar todo praia, onde tudo falava de alegria, doces objectos, odores franceses, malas de viagem?
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A partir daquela cena da janela podia Sebastianito Guerreiro duvidar de tudo, mas tinha uma certeza. Que a solidão era uma dor de rosca que subia do intestino à aurícula do coração, e aí alojada, produzia filhotes que esmagavam a vida. Desamparado, no meio da relva, tinha a impressão de que alguma coisa ainda poderia correr tão mal, que o fizesse passar do jardim à porta, da porta à cozinha, da cozinha à descarga e da descarga à lavoira. Como em certos truques de filme em que as figuras entravam de costas nas viaturas e regressavam de arrecuas aos bancos dos passeios públicos donde antes se tinham erguido."
In: O Cais das Merendas, Lídia Jorge.
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