fevereiro 20, 2009

Catch the Wind

In the chilly hours and minutes
Of uncertainty
I want to be
In the warm hold of your loving mind

To feel you all around me
And to take your hand
Along the sand
Ah, but I may as well try and catch the wind

When sundown pales the sky
I want to hide a while
Behind your smile
And everywhere I'd look, your eyes I'd find

For me to love you now
Would be the sweetest thing,
T'would make me sing
Ah, but I may as well try and catch the wind

Dee dee da da la da da da da da
Ya da da, da da, da da

When rain has hung the leaves with tears
I want you near
To kill my fears
To help me to leave all my blues behind

Standing in your heart
Is where I want to be
And long to be,
Ah, but I may as well try and catch the wind

Ah, but I may as well try and catch the wind

Donovan

The white light, the white life


Eram oito da manhã quando me levantei e fui até à janela do mundo. Do lado de fora as coisas permanecem duras, enterradas na fixidez do que se deixa de tentar, num movimento preso a uma triste mesmidade. Olho lá para fora e não me apetece fazer parte desse teatro mudo, dessa dança trágica de quem desaprendeu a andar com sentido. O mundo e a face dos dias repetida até à exaustão que traz a morte mais fatal: o deixar de vibrar numa onda de esperança. E é isto que o rodar das horas devolve a quem, às oito da manhã, perscruta o fundo das coisas planas. Mas a vertigem continua a rodar-me, a tentar que também eu ceda a esse círculo perpétuo de escuridão, a essa inessencial reprodução maquinal perante a folha nua dos dias.
Hoje voltei à janela para tentar. E a neve caiu como já não me lembrava. De repente, a surpresa pintou as linhas da rotina com uma energia serena, de um branco imaterial que lembra os sonhos ainda na caixa da infância. Senti-me revigorado a observar a poesia simples que acontece, se soubermos acreditar para esperar. Foi como fechar os olhos com muita força, recortar as imagens da memória, diluir os limites com uma borracha branca. Nesse silêncio a destruição foi congelada e aprisionada como se um véu protector limpasse os obstáculos à respiração plena. O movimento espontâneo dos pequenos flocos, a luz imensa que inundou tudo fez-me ver para lá da superfície. Foi mesmo o Norte que desceu nessa dádiva natural e o frio despertou-nos, a todos, do sono a que nos habituámos, já nem sabemos a razão.
É verdade, precisamos que a temperatura desça, que o mundo grite mais alto, que o inesperado nos surpreenda, nos corte as estradas e nos barre a passagem. Sem possibilidade de fuga, olhamos para cima, relembramos que há um lugar mais alto, para lá da tábua rasa da rotina. Ao pararmos, sem tempo a dar corda aos nossos pés de cidadão, soltamos os nós de uma juventude escondida no bolso da alma. Foi naquele dia, sem contar, que a lógica foi engolida por algo maior e o lume da pele foi atiçado pelo toque de uma brancura suave. Começar de novo, renascer, sentir a vitalidade entranhar-se em nós vinda desse chão primeiro onde sempre nos sentimos sólidos, "naturais".
Abre-se essa janela e deixa-se o princípio revisitar-nos, há um segredo escondido nos lençóis da pressa, não tenhamos horas para abandonar o leito da verdade e sobretudo preguiça de lá voltar. A questão é não separar as coisas, não criar divisões dentro de nós como num plano de ordenamento. Somos impermeáveis à modelação, ao padrão e à réplica. Prefiro sempre o original. Na tela branca desenho com vontade e sem medo, como um desafio e não uma imposição vinda de baixo. Olhos postos na grandeza do céu, coração de um azul forte, passos sempre à procura. O pincel na mão e o relógio perdido nessa onda branca que me levou daqui. Para o meu lugar.

fevereiro 19, 2009

O traço contínuo?


"Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades longínquas, mais compreendia as outras cidades que tinha atravessado para chegar até lá, e voltava a percorrer as etapas das suas viagens, e aprendia a conhecer o porto de que havia zarpado, e os lugares familiares da sua juventude, e os arredores da casa, e uma praceta de Veneza onde corria em criança.

- Caminhas sempre de cabeça virada para trás?- ou:

- O que vês está sempre nas tuas costas? ou melhor:

- A tua viagem só se faz no passado?

Chegando a qualquer nova cidade o viajante reencontra o seu passado que já não sabia que tinha: a estranheza do que já não somos ou já não possuímos espera-nos ao caminho nos lugares estranhos e não possuídos.
Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça viver uma vida ou um instante que poderiam ser seus; no lugar daquele homem agora poderia estar ele se tivesse parado no tempo muito tempo antes, ou se muito tempo antes numa encruzilhada em vez de tomar uma estrada tivesse tomado a oposta e ao cabo de uma longa volta viesse encontrar-se no lugar daquele homem naquela praça. Agora, daquele seu passado verdadeiro ou hipotético ele está excluído; não pode parar; tem de prosseguir até outra cidade onde o espera outro seu passado, ou algo que talvez tivesse sido um seu possível futuro e agora é o presente de outro qualquer. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.

- Viajas para reviver o teu passado? - era agora a pergunta do Kan, que também podia ser formulada assim: - Viajas para achar o teu futuro?

E a resposta de Marco: - O algures é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o mútuo que não teve nem terá. "

in "As Cidades Invisíveis", Italo Calvino

Mal arranjados

"Em Portugal, como todos os Portugueses sabem, é muito raro conseguir seja o que for. Em contrapartida, tudo se arranja. O arranjar é hoje a versão portuguesa do conseguir. (...)
O próprio sistema, político, económico, cultural, social estimula uma atitude para com o cidadão que se traduz pela expressão "arranjem-se como puderem". E o cidadão lá se vai arranjando. O mais das vezes, este apelo constante ao improviso, à cunha e ao desenrascanço leva aos piores resultados. A continuar assim, o país está bem arranjado. (...)
Já quase ninguém diz, em privado, que se vai "conseguir" ou "obter" ou "alcançar" ou "garantir". Já não colhe. Nos países estrangeiros ainda se acredita que se criem postos de trabalho. Em Portugal, arranjam-se empregos. Noutros países, é possível que se desenvolva a construção de habitações sociais. Aqui, arranjam-se casas. (...)
Até as ideias se arranjam, em vez de se terem e de se pensarem é como se os Portugueses, em vez de se darem ao trabalho de usar a cabeça, se limitassem a arranjar o cabelo.
A vitamina A portuguesa, cura temporária para todos os males é o Arranjismo Nacional. Arranja-se uma receita para arranjar o remédio para quem arranjou uma constipação. (...)
Enquanto tudo se continuar a arranjar nada se há-de conseguir em Portugal. O mercado dos arranjos, dominado por uma multidão imensa de arranjistas e arranjões, é maior e está bem mais implantado do que qualquer mercado negro. Para sair da mentalidade viciosa do arranjismo nacional, é preciso que cada português comece a distinguir entre arranjar e conseguir. Arranjar é obter algo por razões alheias ao mérito próprio e à justiça das circunstâncias - e logo representa tudo o que o Conseguir, leal e esforçado, não é. O arranjismo pode ser um reflexo do subdesenvolvimento, como não se arranjou chegar à Índia, ou acabar com a pena de morte, ou escrever os Lusíadas ou a Mensagem, ou qualquer das outras coisas boas que os Portugueses conseguiram fazer, sem truques ou manigâncias ou espertezas saloias, também não se há-de arranjar sair deste poço cultural em que caímos. Arranjar é próprio de um país miseravelmente possível. ("Desculpem, mas não foi possível arranjar mais...") É preciso começar a conseguir as coisas, seja com que dificuldade for. Senão, Portugal chegará a um ponto em que nem arranjo há-de ser."
Miguel Esteves Cardoso

fevereiro 16, 2009

Silly Portugal

"Em Agosto a vida não parou e o Algarve é só um espelho parcial da Nação. (...) O país move-se pelo hábito, pela inércia, pela apagada e vil tristeza. E uma ínfima parte move-se pelas coisas boas, criativas, novas mas que são a muito pequena excepção.
Mas, sobre este movimento contínuo, os calendários da vida moderna, em parte feitos pelo Estado burocrático, como sejam as férias escolares, em parte feitos pela sociedade impregnada de espectáculo, exigem rupturas, paragens, recomeços. O dia 31 de Julho já se sabe que é maldito para se dizer coisas importantes (que o diga o Presidente que rompeu os costumes do calendário), o mês de Agosto é silly por excelência e nele só cabem silly things. Depois, é suposto haver uma rentrée, um acto de recomeço, um momento que tem que ter surpresa e novidade, porque isso é que vende jornais e abre noticiários de televisão. Não adianta argumentar que sobre os problemas do País se pode sempre dizer o mesmo desde o século XIX, ou, se se quiser ser mais modesto temporalmente, desde o defunto governo Guterres (inclusive).
Que se pode sempre dizer que as coisas vão de mal a pior, todos os dias andamos para trás e sabemos muito bem porquê e sabemos muito bem porque não há forças endógenas que empurrem para a frente.
Mas não adianta. Temos pois que dizer sempre coisas novas, espectaculares, para saciar o monstro comunicacional e os seus viciados, ou seja, quase todos nós. Não suportamos o silêncio, mesmo quando é o silêncio dos actos, não suportamos que nos digam sempre as mesmas coisas, mesmo que sejam as fundamentais, não suportamos que não haja "novidade" efémera e ficcional que seja. A logomaquia tem que continuar."

Pacheco Pereira, in "A lagartixa e o Jacaré"

fevereiro 12, 2009

Pull to open

."Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu."
Nuno Júdice

.Acredita que a energia que entregas em cada coisa, em cada gesto vai dar a volta ao mundo e surpreender-te pelas costas, numa mão que se apoiou nessa tua iniciativa.;
.A urgência do amor deve impedir-nos de dormir sobre as possibilidades.;
.A questão é sempre a mesma: como aprender a ver com o coração quando os olhos nos distraem? Tantas vezes a cegueira do imediatamente visível e tantas vezes o essencial debaixo dessa facilidade. Agarrar sem a vaidade que os olhos trazem de um mundo imperfeito e rirmos dessa ironia que é ser cego, olhando.;
.Na vida vão-se descobrindo outras formas de se chegar onde a felicidade espreita. Tudo é essa tentativa última de agarrar a sensação de ser feliz. Dias, minutos, segundos que absorvem, às vezes, anos de dor num ápice. É isso que a felicidade faz, imita o Céu.;
.Dá a tua mão por cima das palavras. Faz-te sentir sem mais nada. As palavras trazem em si o sussurro do juízo e, mesmo no seu melhor, calam o silêncio cheio de tudo. Quando conseguires comunicar e perceber por ti estarás a salvo da pequenez estéril dos conceitos. Liberdade?;
.Deus está nos pormenores: o culto d'Ele está no culto que fazemos aos que amamos, hoje, ontem, para sempre. Os ausentes que me tocam ainda e os que atravessam o passeio e me perguntam se tenho algum problema. Amo Deus nessa aventura diária e ele não é aquilo, numa Igreja, num só espaço. Ele é-me e é os outros que se aproximam. "O que é o espaço?" Entramos em diálogo pela porta do fundo, onde há menos gente.;
.Acho que somos isso: metade a querer esquecer e a outra metade a batalhar contra a amnésia do que é bom.;
.E tento cumprir "isto", falhando, mas tentando. E é na tentativa que provamos tudo.;
.O semi-escuro dos dias onde tentamos encaixar. Para que lado tomba o cinzento, amanhã?;

. (...)

fevereiro 08, 2009

Nós em cada um


Tenho pensado em viajar contigo para um sítio longe do mundo, do nosso mundo. Queria pegar em ti e colar-te a uma paisagem nova e fresca onde as nossas vozes, as nossas almas pudessem gritar numa linguagem estrangeira à censura, onde o coração respirasse o amor sem manuais de etiqueta. Se aquilo que eu sinto é para ti que caminha, os rótulos são a infelicidade alheia a reconhecer-se no seu contrário. Imagino os nossos corpos longe da agitação e as palavras a escreverem a verdade numa parede da vida, aquela que a rotina dos distraídos preenche com "post-its" de coisas banais. Não é isso que quero para nós. Aliás, é o "ser" que nos ata um ao outro que me faz escrever. "A estrada ainda longa, há distâncias sem perdão."
Quando penso em quebrar os dias aqui e ir mais longe é em ti que pouso e é por ti que arrumo a minha vida de acordo com o amor que vai cá dentro. Chega de gavetas para as frases frágeis, de arquivadores para essa pureza que nos roubam pelo caminho. Sou em desordem, o momento sugere as palavras que saem enquanto respiro o cheiro da tua serenidade. Continuo a imaginar uma parcela do mundo só nossa - essa onde o lume da cumplicidade derretesse as reticências e exclamasse pelo conhecimento que deixasse a tua marca em mim. Nunca se esquece quem nos faz amar, quem descobre ruas mal iluminadas dentro de nós. Quero-te toda, quero saber-te completamente, quero o absoluto de ti a assobiar-me ao ouvido. "Não sei quanto tempo fomos, Nem sei se te trago em mim."
Sabes, nunca aceitei aquela ideia de que o peso do tempo é maior do que a densidade de um amor à luz da imperfeição. Saber tudo sobre ti não me rouba o arrepio quando a tua voz me chama e diz o meu N-O-M-E. Cá dentro é sempre a mesma explosão, há qualquer coisa que cresce mais e se entranha mais. Olho para ti, prendo-me à repetição dessa imagem e, de cada vez que reparo em cada pormenor, desaba tudo em mim. Por isso é que tenho de olhar de novo, soletro os teus sinais com a vontade a tombar para a frente de tão forte. É bom quando o silêncio serve para contemplarmos, quando a comunicação passa aqui por dentro e chega a ti. "Deixas em mim, tanto de ti." É o conforto do que nos é familiar ao mesmo tempo tornando-se numa aventura para sempre. Vício maior do que o cansaço, aquele que vai buscar a curiosidade ao outro lado da lentidão dos hábitos.
Percebi que por trás das palavras e por trás de cada movimento da tua boca há um começo todos os minutos, a magia acontece em cada coisa que já cá estava mas que repito pelo prazer de a saber minha. Viajo pela minha vida com o teu bilhete de identidade. Estamos entregues a um destino comum, a beleza vem desse retrato que construímos dentro de nós com muitas correcções, muitas notas e hesitações. Eu de ti e tu de mim. "E pararam o mundo, Num abraço sereno." Podemos descansar a dúvida e sentir-nos inteiros na entrega que o outro devolve com confiança. Gosto das marcas que a vida deixou aí dentro e quero tocá-las para te saber melhor, para compreender. Vejo a paisagem nascer desse trajecto ao mais fundo da tua história e o coração não afrouxa a paixão, ela ergue-se maior. "Gosto de ti como quem vence o espaço, Como quem salta o vazio."
Essa viagem acontece, percebi eu, mesmo estando nós nesse mundo de toda a gente, todos os dias, em tudo. Basta chamar-te até mim e sentir os teus braços dissolver em protecção os olhares de quem sempre fica fora de tudo. Contigo há uma frescura que desentorpece a linguagem dos afectos e é bom saber onde tocar, onde ir buscar(-me) (n)os pedaços que a rotina espalhou por aí. Vivo contigo, literalmente. Na palma da minha mão há duas linhas que se juntaram para abrirem, juntas, um mundo novo, uma linguagem interior que sabe ao conhecido. É bom ter um porto seguro, aquela luz numa noite de náufragos que a vida também sabe ser. "Sou mais uma página do teu caderno, Tantas vezes escrita no carinho do tempo."
Escreve-te em mim com o sangue do teu amor. É sempre a mesma explosão. Cá dentro.
*Pedro Abrunhosa, a negrito.