'É-me muito difícil escrever sobre Paul Éluard. Continuarei a vê-lo vivo a meu lado, acesa nos seus olhos a eléctrica profundidade azul que contemplava tão amplamente e de tão longe.
Esse homem sereno era uma torre florida da França. Brotava do solo em que louros e raízes entretecem as suas fragrantes heranças. A sua estatura era feita de água e pedra, e nela se alongavam antigas trepadeiras portadoras de flor e fulgor, de ninhos e cânticos transparentes.
Transparência, é esse o termo. A sua poesia era cristal de pedra, água imobilizada na sua corrente constante.
Poeta do amor zenital, fogueira pura do meio-dia, nos dias desastrosos da pátria colocou no meio dela o seu coração e dele irrompeu fogo decisivo para as batalhas.
Assim chegou naturalmente às fileiras do Partido. Para Éluard, ser comunista equivalia a confirmar com a sua poesia e a sua vida os valores da humanidade e do humanismo.
Não se pense que Éluard foi menos político do que poeta. Assombrou-me frequentemente com a sua clara vidência e impressionante razão política. Examinámos juntos muitas coisas, homens e problemas do nosso tempo, e a sua lucidez serviu-me para sempre.
Não se perdeu no irracionalismo surrealista porque não foi um imitador, mas um criador, e disparou sobre o cadáver do surrealismo tiros de clareza e inteligência.
Foi meu amigo de cada dia e perdeu a sua ternura que era parte do meu pão. Já ninguém me poderá levar o que ele leva, porque a sua activa fraternidade era um dos preciosos luxos da minha vida.
Sustentava com a sua coluna azul as forças da paz e da alegria. Morreu com as mãos floridas, soldado da paz, poeta do seu povo.
Torre da França, meu irmão!
Inclino-me sobre os teus olhos fechados que continuarão a oferecer-me a luz e a grandeza, a simplicidade e a rectidão, a bondade e a singeleza que implantaste na Terra.'
[Na morte de Paul Éluard, 1952.]
In: "Nasci para Nascer", Pablo Neruda