Não te sei dizer por palavras o que foi que se passou contigo, cá dentro. As palavras são sempre uma imitação da vida, aquela que a minha saliva quis adoçar e entregar ao teu beijo quente. A folha desliza em branco como as horas intermitentes batem no vidro da janela onde o teu reflexo espreita. E eu não sei jogar com as sombras, com os fantasmas que se insinuam perigosamente por entre as linhas do meu amor, da minha memória. Não te digo isto, confesso-o num monólogo noites dentro - cerro os olhos e tenho medo que a humidade do esquecimento leve com a manhã a razão da minha espera, da minha vida. O buraco da tua ausência é maior do que a esperança e o sentido das coisas passava pelo entendimento de duas mãos a subir uma longa rua. Aqui, na planície dos dias que correm, o céu parece que vai desabar inteiro sobre o chão raso de sonho. Como o Alentejo no Verão que me rasgava por dentro quando tu encostaste a tua serenidade ao meu peito e me levantaste em carinho pelo céu amarelo.
Não sou o mesmo desde que te conheci e também não sei voltar ao antes porque não te quero abandonar junto à reciclagem. Costumo ligar a velha aparelhagem e chamar a voz de alguém para calar a minha, pesada, banhada de suor mas não vale a pena. Tudo e todos falam de nós sem saberem, exactamente porque o amor estampa o teu retrato em todos os interstícios da realidade. Acabei prisioneiro dessa obsessão que é prazer e dor num balanço paradoxal. Abre-se a porta da carruagem do metro e sento-me. Olho em volta, esperando, e os meus olhos caem inteiros nos degraus da linguagem - De um "Encontro de Amor num País em Guerra" fala-me a senhora em frente, com a sua leitura solitária a caminho de casa. E ali estou eu e tu desenhados sob esse lume de Agosto alimentado pela respiração dos nossos segredos a meia voz. A tua boca cheia de promessas, o teu perfume a paz e a morte tão impossível num coração tão forte, tão cheio de verdade. Apeteceu-me chorar ali, quase em casa, quase a chegar ao destino e eu não li o livro. Não precisava, na embriaguez dos meus olhos vejo-te crescer, a melodia do teu riso a puxar o vagão para trás, a ecoar no túnel e o meu peito é um país em guerra, o teu país ainda. É isto que significa a saudade, vivermos de costas para o futuro aninhados junto a um conforto em reflexo numa janela que não se abre mais.
O tempo segue em frente como o último metro se derrete no escuro das horas mas eu não acompanho, mudo de direcção, perco-me a tentar chegar a casa. Onde fica? Próxima paragem e não saio, não cheguei nunca a "ser" nesta planície estéril atravessada por túneis de desalento e solidão. Hoje não há o teu melhor a amansar a minha angústia e a fazer-me liso, cheio. Desvio o olhar do vidro das lembranças e fixo-o no caminho em rede, as cores a sinalizar oportunidades. "- Há uma linha vermelha, ali o metro é uma máquina do tempo, sabia, é assim que o passageiro sente que o bilhete lhe valida a vida; Não me falou em "Encontro?"
Saio n' "Os Combatentes". Hoje não há lugar para "Heroísmo"(s).