maio 21, 2010

maio 20, 2010

Estudo [intervalo] Leituras.

"José Augusto não tinha alma bastante para distinguir a pobreza da mediocridade. (...) Uma boa parte do seu interesse pelas Owen talvez fosse devida ao requinte do home inglês, à pronunciada ambição de classe que vive a presumir outra que lhe é superior. Essas inglesas sempre um pouco acima da sua condição cultural e social, pareciam todas modeladas para uma forma mais ampla, a nurse para encaixar na lady, e esta para a dimensão de Sua Graciosa Majestade. Nada se adaptava exactamente à designação do small, tudo aspirava ao King size. E quantos equívocos nesse percurso para o ideal do império! (...) Contudo José Augusto não podia perceber isso. Também nunca entenderia a diferença entre a sensibilidade e a sua comédia.
(...)
As pessoas não se conformam em ser iludidas por elas mesmas, querem que os outros colaborem nessa ilusão.
(...)
A moral correspondia ao sacrifício da beleza, ou então a um estado estético que não se diferença do abandono do prazer. Mas o prazer, a sensação imediata, era importante para ele. Trazia-lhe uma espécie de reanimação de forças criadoras de que a infância estivera tão repleta. O prazer concedia-lhe confiança nos sentidos e predispunha-o para uma espécie de génio colaborante com a dignidade da vida. (...) Este conflito entre o prazer e a moral, entre a receptividade e a concentração, era e seria a grande encruzilhada da civilização.
(...)
Maria Owen era tida como muito capaz para prender um provinciano meio letrado e susceptível de se lisonjear na roda da colónia inglesa, tomando chá e falando de cães e de flores. Esse trato superficial e cultivado, que abolia a confissão, proporcionava-lhe uma segurança, uma espécie de adormecimento interior.
(...)
Ele sabia que para se falar de amor é preciso estar apaixonado, ou satisfeito de si mesmo, ou infeliz."

Por um rosto chego ao teu rosto.*

Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala de solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada. Por um rosto
chegaria o teu rosto, mesmo de um convite
ousado fugiria, esta mão conhece-te
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.
*Helder Moura Pereira

maio 19, 2010

Agustina.

"Ele tinha perdido a mãe aos dezoito anos. (...) José Augusto acabava de sair dum luto que o desorganizava para coisas tão positivas e rudes como uma paixão da carne. Refugiou-se numa altivez gelada; julgaram-no indiferente e era só magoado.
(...)
A precocidade da cultura conduz à aridez das emoções. O que deve ser descoberto com a frescura do instinto não pode ser compreendido através do recreio da arte."
Agustina Bessa-Luís, "Fanny Owen"

maio 18, 2010

Despedida*

Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto às estátuas de treva.
A tua sombra está atrás da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cálices, uma súplica ao dealbar das
ruínas,
tudo se perdeu no solitário campo dos céus.
Uma estrela caía.
Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
Não vens jamais.
O teu rosto é a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos lábios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra à vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta música é quase o vento.
*José Agostinho Baptista

maio 08, 2010

Avô,

O teu nome confunde-se com o mundo que chega aos meus olhos. És sempre tu em cada pedaço de tempo registado dentro de mim [pela tua mão]. A ausência é um espaço de dor quase física, há uma promessa que se ergue ao sabor das cinzas, ao vento. É uma voz que te segreda os absurdos da vida de dentro para fora, a tua cabeça confunde-se e a minha também. O coração sente a tua presença, a tua sombra de acolhimento, o teu cheiro a infinito e liberta as palavras, liberta-me os olhos para uma inundação daquilo que ficou e fica sempre por dizer quando se ama. E agora a linguagem é uma coisa interna, visceral, enlouquecida quando passeio as tuas lembranças junto à ferida que a saudade alimenta com verdade. Não te sei fazer existir de outro modo, não consigo entregar-te ao passado com a naturalidade de uma não-emoção - é por seres tanto para mim que não morres absurdamente, engolido pela tua terra, pelo teu cansaço.
Faz-se o homem no seu caminho para casa, faz-se maior por saber quem o espera num ritual que desenvolve a expectativa de um afecto continuado, de uma voz que é sentido e sentimento num fluxo único. O teu nome, as tuas mãos. Trago-te comigo no avesso dos dias apressados, em noites em que o espírito se encontra a sós com a sua companhia. O meu mundo chega-me aos olhos vindo do fundo da minha carne, ressurge a espaços para esmagar o vazio da angústia que, como um vento que não cala a morte, me consome, intermitente num céu de aviso. Nunca te poderei dizer que o acumularem-se os dias me faz ser liso como uma pauta de aprendiz, não volto ao princípio, as tréguas são sempre prospectivas, dizem-nos para continuar, frente a frente com uma outra voz que é a das coisas e dos lugares quebrados, estranhos. Lembro-me de ti, corporizo-te num conselho que sai do coração, da sabedoria que ficou do teu percurso por mim dentro e já não é tão mau assim, será sempre possível, dizes-me ao ouvido para olhar duas vezes antes de partir, para reparar. Acolho o mundo ao sabor da tua voz, morna, segura.
A cada dia da minha vida sinto-me mais inspirado pela definição que as tuas mãos traziam a cada troço de um desafio. Ainda trazem, nesta promessa que se ergue das memórias primeiras para te reviver, para te abraçar. E hoje não sou mais o aprendiz no caminho de casa, sou o homem que tu ajudaste a ampliar a partir de um sorriso de criança, sou-te ainda mas de outra forma. Os que amamos estão-nos gravados, vivem dentro de nós alimentados pela respiração íntima das emoções para nos amparar, para nos falarem da única coisa que não morre: o amor que se conserva como a uma identidade. És sempre em mim e vives ainda aqui, hoje, como a prova irrefutável da imortalidade do essencial, como a certeza de que a morte é um lugar de esquecimento para o qual nunca te deixei cair - como a uma criança que as tuas mãos amparam, chego a ti de uma outra forma.
Avô, repara como o amor encontra sempre um caminho e nos entrega à nossa casa, minha e tua, sempre.

maio 07, 2010

Nem às Paredes Confesso.

'Quanto aos gestores estamos falados. E os outros?'

"A opinião pública tem destas coisas, está indignada com os salários e prémios dos gestores, mas é indiferente aos salários e prémios de outras pessoas que ganham milhões, por exemplo, os futebolistas. Nada me move contra os futebolistas, como aliás contra os cantores, contra os treinadores, contra os gestores que ganham muito, porque produzem também muito.
O caso de alguns gestores portugueses só é complicado porque o Estado tem lá uma mão dentro e porque algumas empresas actuam em condições de concorrência imperfeita, o que torna os seus lucros algo parcialmente garantido, haja ou não mérito. De resto, nada tenho contra quem, fazendo a sua empresa ganhar mil vezes mais do que os seus bónus, ajuda pela sua competência a manter milhares de empregos e a competitividade da nossa economia. É fácil fazer demagogia e pode parecer imoral, numa altura de crise social aguda, mas a crise seria pior sem esses gestores de qualidade. Os que o merecem, valem todo o dinheiro que se lhes dá.
Agora estranho esta sanha contra os gestores que sempre estão do lado da economia e do emprego e o silêncio sobre os futebolistas, cuja actividade, tendo mérito social, é apesar de tudo menos "produtiva". Na verdade, não estranho, porque o circo é sempre popular e os seus ídolos não se comparam ao tenebroso capitalista."
José Pacheco Pereira, "A Lagartixa e o Jacaré" in "Sábado";

maio 06, 2010

Fanny Owen

"O orgulho é desprovido de alma; e, no entanto, em tudo a imita.
(...)
Chamava-se Clotilde; tinha o olhar de espia dos que servem muito tempo dentro dum espaço fechado.
(...)
Sem deixar de ser dedicada, Judite tinha pelos patrões um violento sentimento de despeito. A alma dela era grande demais para se contentar com a servidão.
(...)
A vida de província era acidentada pela luta mesquinha das opiniões, a intolerância das tendências, a proibição dos afectos; tudo amparado pela fisionomia das paixões, infames porque não contribuíam senão para iludir o tempo e esquecer a morte. Devoções, vícios, simples lágrimas de júbilo ou de luto, tudo resumia o grande tédio que é uma espécie de auréola do martírio para pequenas compleições.
(...)
Abstinha-se de o aconselhar; sabia que a vida dele tinha uma lógica só, que era o capricho; e que, passado esse instante de desfiguração da própria índole, ele voltaria àquela avidez de liberdade, terrível liberdade porque lhe impedia a correcção da consciência.
(...)
O desprezo por aquele homem dava-lhe uma espécie de segurança.
(...)
O Porto tinha uma condescendência especial para as mulheres infiéis, se elas eram inteligentes bastante para não preferirem o amante aos deveres da sociedade. Não se discutiam os gostos, logo que não se cometessem erros com eles."
(...)
O coração receoso não quer provas dos perigos a que renuncia.
(...)
Quando um triste se ri é porque encontrou alguém mais triste ainda. Há uma espécie de felicidade impura que ataca as pessoas como eu. (...) Quando se sofre na idade de ser feliz, nunca mais se acredita na felicidade; nem como acaso, nem como recompensa. Os nossos tormentos tornaram-se num hábito mais querido do que qualquer compensação. (...) A infelicidade é uma espécie de renúncia, não tem nada que ver com a desgraça. É a mais ardente das amantes e por ela sacrificamos tudo: a honra e os amigos, e até Deus.
(...)
A paixão é uma dessas coisas assustadoras. Não a paixão pela glória, ou por uma mulher. É talvez a consequência da falta de eternidade. (...) A amizade é a única coisa que os deuses invejam nos homens.
(...)
O amor não é senão uma cristalização do desejo. Precisa de muitos sacrifícios para inventar a originalidade.
(...)
O que faz o homem é o medo e a sua revolta. (...) Vivia de apetites e ignorava os desejos; os apetites reformam-se como as letras de câmbio, os desejos não se podem vencer. Ele [José Augusto] tinha uma sege e apetecia-lhe uma caleche; comprava um fraque e achava indispensável uma peliça; comia rodovalho e depois pedia ostras. Mas os desejos - quem pode caucioná-los, dar-lhes nome, informar a seu respeito? Estão assolados pelo medo, exprimem por mil talentos importunos, «destinam-se a paralisar a alma e não a corrompê-la. O que corrompe é a satisfação do apetite; o desejo nunca se satisfaz, é uma ferida no flanco, uma febre no pulso, uma nódoa no pulmão. O desejo convence à morte como o mais doce dos ópios. José Augusto não era um homem de desejos."
In: Fanny Owen, Agustina Bessa-Luís

Amor à primeira Vista

maio 04, 2010

Terra da Abundância


. "Better have the pains of peace than agonies of war."

. "My home is not a place, it´s people."

. "É tão corajosa como o pode ser uma mulher da idade dela mas ambos sabemos que a vida tem maneiras de alterar isso; tu, como ninguém, sabes que tudo se vira do avesso de um momento para o outro. (...)"